Do RevPAR ao Talento: A Revolução Pendente na Hotelaria

Para liderar a transição tecnológica, a hotelaria tem de aplicar a sofisticação do Revenue Management à sua política de talento.

Francisco Moreira

Para liderar a transição tecnológica, a hotelaria tem de aplicar a sofisticação do Revenue Management à sua política de talento.

Introdução

Vivemos um paradoxo na hotelaria. Somos, por essência, a indústria das pessoas — uma atividade construída sobre hospitalidade, empatia e serviço. No entanto, enfrentamos uma crise de talento sem precedentes: dificuldade em atrair, desenvolver e reter profissionais qualificados, marcada por perceções persistentes de baixos salários, horários exigentes e escassa progressão de carreira.

Numa era em que flexibilidade, propósito e equilíbrio entre vida pessoal e profissional se tornaram fatores decisivos para o talento, a hotelaria continua, em larga medida, presa a um modelo de gestão do século XX. A chamada Grande Demissão e a reavaliação global do trabalho, amplamente documentadas pela McKinsey & Company (2023) no relatório The Future of Work after COVID-19, não foram fenómenos passageiros: foram o início de
uma mudança estrutural.

O argumento clássico de que “a hotelaria é diferente” — uma operação 24/7 onde o híbrido é impossível — é cada vez menos convincente. Flexibilidade não significa trabalhar de casa; significa previsibilidade, equilíbrio e gestão inteligente do tempo. E é precisamente aqui que entra a oportunidade: repensar o talento com a mesma sofisticação analítica com que já gerimos a receita.

1. O desafio do talento: de urgência operacional a prioridade estratégica

A escassez de profissionais qualificados não é apenas um problema de recrutamento — é uma ameaça direta à rentabilidade e sustentabilidade do negócio.

O World Travel & Tourism Council (WTTC, 2024) alerta que a falta de talento é um dos maiores riscos para o crescimento futuro do setor.
As equipas estão cansadas, as novas gerações olham para outras indústrias e as condições continuam, em muitos casos, desajustadas ao nível de exigência e especialização que o futuro da hotelaria requer.

Se queremos atrair o novo talento — analítico, digital e tecnologicamente preparado — temos de oferecer condições equivalentes a outros setores. Isso significa repensar salários, horários, benefícios e percursos de carreira.
A hotelaria precisa de se posicionar como uma indústria moderna e desejável, onde a tecnologia e as pessoas coexistem de forma estratégica — não como dois mundos separados.

2. A transição tecnológica e o imperativo humano

A transformação digital e a Inteligência Artificial estão a redesenhar o mapa da hotelaria.
Automatizam tarefas repetitivas, mas aumentam a necessidade de pensamento crítico, empatia e capacidade de interpretação de dados
Como aponta Lüthy (2024) em HospitalityNet, a verdadeira transformação tecnológica não falhará por falta de software, mas por falta de talento capaz de o utilizar.
A questão é clara: queremos hotéis tecnologicamente avançados com equipas esgotadas e mal pagas, ou organizações inteligentes, sustentáveis e humanas?
A resposta deve ser óbvia — mas requer coragem de gestão para mudar a lógica tradicional de operação e investimento.

3. A ponte estratégica: Revenue Management como modelo para a gestão de talento

Durante décadas, o Revenue Management (RM) foi o cérebro analítico da hotelaria.
Permitiu-nos prever procura, ajustar preços e maximizar o RevPAR.
Mas a sua verdadeira lição vai muito além dos números: o RM ensina-nos que gestão inteligente é gestão de recursos escassos — e o talento é o recurso mais escasso de todos.

O próximo salto da hotelaria será integrar a lógica de RM na gestão de pessoas — aquilo a que poderíamos chamar Total Profitability Management.
Trata-se de olhar para as equipas como ativos que geram receita, não como custos a controlar.

a) RM como ferramenta de flexibilidade

O RM é, por natureza, um sistema de previsão de procura.
Se sabemos antecipadamente quando teremos picos de ocupação, porque não aplicamos a mesma lógica às escalas de trabalho?
Usar previsões de RM para desenhar horários mais inteligentes — semanas condensadas, folgas planeadas em períodos de menor ocupação, reforço em picos — é usar a tecnologia para gerar tambémqualidade de vida.
Flexibilidade é gestão, não improviso.

b) O talento como motor de ADR

O que permite a um hotel cobrar um ADR 30% superior ao concorrente, mesmo com produto semelhante?
O serviço. A experiência. As pessoas.
O McKenna (2014) já o defendia: o valor percebido pelo hóspede é o principal multiplicador
de preço sustentável.
Logo, salários mais altos e equipas motivadas não são custos — são investimentos diretos em receita.
É a equipa que faz o upsell, que gera reviews positivas e que alimenta o próprio algoritmo de RM com permissão para subir tarifas.

c) O custo invisível da não-adaptação

O RM é exímio a medir receita gerada, mas ignora a receita perdida por turnover ou burnout.
A Cornell University School of Hotel Administration estima que substituir um
colaborador pode custar entre 30% e 150% do seu salário anual.
O profit & loss de um hotel moderno deve incorporar também a rentabilidade humana.

O Caminho a Seguir

A liderança na hotelaria tem de deixar de usar a “natureza operacional” como desculpa para a inação

A verdadeira inovação não está em adotar o mais recente PMS, chatbot, online concierge, entre outros; está em redesenhar o contrato social com os colaboradores.

Precisamos de diretores-gerais que vejam o salário competitivo como investimento, e de diretores de RM que considerem o engagement da equipa um KPI tão relevante quanto a ocupação.
A transição tecnológica da hotelaria será feita por pessoas, não por software.

Para atrair o talento que nos levará por essa transição, a hotelaria não precisa de ser igual aos outros setores — precisa de ser melhor.
E isso começa por aplicar à gestão de talento a mesma sofisticação analítica, visão estratégica e cultura de rentabilidade que o Revenue Management trouxe para a gestão comercial.

Por fim, a revolução pendente da hotelaria não é tecnológica; é humana.
Os hotéis que conseguirem ligar o forecasting da procura ao forecasting do talento, que usarem o RM para equilibrar pessoas e rentabilidade, serão os que liderarão o setor.
A ponte entre o RevPAR e o talento já existe — falta apenas a coragem para atravessá-la.

Numa nota pessoal, está na hora de irmos além das lideranças que se limitam a inspirar nas redes sociais. O futuro da hotelaria exige líderes com impacto real — capazes de formar, valorizar e reter talento. Precisamos de menos promoção individual e mais ação coletiva; menos discursos sobre propósito e mais prática diária de valorização das pessoas que fazem esta indústria possível.