A inauguração do voo direto entre Faro e Nova Iorque pela United Airlines, no passado mês de maio, representa um marco estratégico para o Algarve na diversificação dos seus mercados emissores. Em entrevista, o presidente do Turismo do Algarve, André Gomes, detalha o impacto desta ligação, os planos para novas rotas internacionais, os desafios na captação de companhias aéreas e a revisão legislativa essencial para reforçar a autonomia das entidades regionais de turismo.
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O voo direto entre Faro e Nova Iorque, operado pela United Airlines, é a primeira ligação direta entre o Algarve e os EUA. Qual o impacto estratégico desta nova rota?
Vem contribuir para aquilo que é o nosso esforço e a nossa estratégia de diversificação dos mercados emissores. Nós, de facto, continuamos a apostar, e com muito agrado, no crescimento dos nossos mercados mais consolidados, com os quais temos uma ligação histórica, como o britânico, o irlandês, o holandês, entre outros.
Mas é também muito bom vermos crescer, e até em percentagem superior, estes mercados associados às novas rotas. Os Estados Unidos, ou melhor, a América do Norte, porque aqui incluímos também o Canadá, têm sido mercados que têm vindo a crescer exponencialmente nos últimos anos.
Já beneficiávamos da ligação que temos há alguns anos com o Canadá, através da Air Transat, que, por essa via, já nos trazia muitos turistas norte-americano, que chegavam ao país por Lisboa ou Porto e depois vinham até ao Algarve. O que este voo da United vem trazer é uma ligação direta, mais cómoda e imediata com a nossa região, permitindo que os turistas comecem a sua visita a Portugal pelo sul. Até agora, só podiam começar por Lisboa ou pelo Porto.
É esta capacidade que esta nova rota direta nos traz. Estamos a falar de cerca de 26 mil lugares durante este período da operação, com quatro frequências semanais. É um potencial enorme. Agora, o que esperamos é que, tendo em conta o feedback que temos recebido, este período corra bem e, em setembro, quando está previsto terminar a operação, possamos estendê-la e transformá-la numa rota anual.
Há expectativa de esta rota se torne anual?
Sim, claramente. Já discutimos isso com a United. O feedback tem sido positivo. A procura está a bom ritmo e a bom preço, palavras da própria companhia. Até a diretora comercial referiu, no voo inaugural, que testou várias datas ao longo do período e confirmou essa boa procura.
Como estão a promover o Algarve nos Estados Unidos?
Temos reforçado a promoção este ano, precisamente por causa da nova rota. O nosso objetivo é mostrar que o Algarve está preparado para receber turistas norte-americanos: seja em natureza, cultura, gastronomia ou experiências autênticas.
Queremos mostrar que somos mais do que sol, praia e golfe, embora esses produtos continuem a ser fundamentais. Apostamos na diversificação da oferta e na promoção de segmentos como o turismo de natureza, o turismo cultural e o turismo industrial.
Temos também reforçado a presença no segmento da Meetings Industry, participando em feiras e eventos especializados nos EUA. O feedback tem sido muito positivo, tanto dos operadores como das empresas portuguesas que nos acompanham nestes roadshows e famtrips.
Há planos para abrir outras ligações diretas com os Estados Unidos?
É um trabalho permanente que estamos a fazer, não só para os Estados Unidos, mas também para outros mercados. Aliás, quando fechámos esta nova rota com a United, foi-me perguntado isso mesmo: se estaríamos disponíveis para trabalhar esta rota, nomeadamente com a TAP. E a verdade é que nós estamos sempre disponíveis para trabalhar qualquer nova rota, dentro daquilo que é a nossa estratégia de diversificação de mercados, independentemente da companhia aérea.
Já agora que estamos a falar da TAP, a partir de junho vamos ter uma nova ligação entre Faro e o Funchal e, desta maneira, após já muitos, muitos anos, vamos voltar a estar ligados efetivamente a todos os aeroportos nacionais.
Quando há pouco falávamos da importância do mercado interno, isto também é relevante. Já não acontecia há muitos anos. Portanto, nós temos ligações com Lisboa, com o Porto, com Ponta Delgada e agora com o Funchal. Conseguimos com Ponta Delgada também no ano passado. Isto tem sido uma trajetória e um trabalho que temos feito, permita-me realçar, sempre em conjunto e muito articulado com o Aeroporto de Faro e com o Turismo de Portugal.
“Não escondo, e já é público, aquilo que seria o nosso desejo. Não é só meu, é um desejo da região: termos uma ligação para a América do Sul”
Que outros destinos estão na mira do Turismo do Algarve para abertura de novas rotas?
Posso dizer que este trabalho para conquistarmos esta nova rota para o mercado norte-americano é capaz de ter meia dúzia de anos. Quando começámos os primeiros contactos, já era com esse objetivo. Portanto, devemos desejar mais e trabalhar para ter mais.
Estas conquistas, às vezes, levam o seu tempo. Não escondo, e já é público, aquilo que seria o nosso desejo. Não é só meu, é um desejo da região: termos uma ligação para a América do Sul.
Nesse sentido, estamos a trabalhar, mais uma vez, com qualquer companhia aérea que se mostre disponível para connosco concretizar esse objetivo.
Refere-se ao Brasil?
Sim, efetivamente, creio que sim. Creio que é um mercado extremamente interessante termos uma ligação direta com a região do Algarve, não obstante alguns comentários divergentes que possam surgir.
Mas creio que, quer do ponto de vista turístico, quer da presença da comunidade brasileira no nosso país, e em particular na região, era uma rota que faria sentido analisar a possibilidade de a concretizar.
Mas quem diz essa, diz outras. Continuamos a trabalhar nesse sentido.
No seguimento da aposta que temos feito, nomeadamente nos mercados do Norte da Europa, concretizámos há relativamente pouco tempo uma nova ligação com a Islândia, com a companhia Play, fruto de um esforço de diversificação.
Há mercados do Centro da Europa que também estão a merecer a nossa atenção, nomeadamente no sentido de recuperarmos algumas rotas que acabámos por perder no ano passado. Não perdemos a ligação com o país, mas com alguns destinos específicos que queremos recuperar.
E, claro, estamos atentos à procura, que felizmente já começa a surgir, tanto por parte das companhias como dos operadores internacionais.
Também no âmbito da nossa atividade de promoção turística, estamos presentes nos principais certames internacionais, eventos de reuniões entre companhias aéreas e destinos, e é com agrado que vemos uma evolução muito positiva.
Se até há três ou quatro anos éramos nós que andávamos atrás das companhias, hoje já temos muitas companhias aéreas que vêm até nós.
Ligação direta ao Brasil: “Creio que, quer do ponto de vista turístico, quer da presença da comunidade brasileira no nosso país, e em particular na região, era uma rota que faria sentido analisar a possibilidade de a concretizar”
Que argumentos têm sido mais eficazes junto das companhias?
O nosso posicionamento e a estruturação da nossa oferta têm feito com que o Algarve seja reconhecido como um destino turístico de excelência a nível internacional.
Isso atrai companhias que procuram ligar-se a este destino. Há companhias que nos procuram por não terem espaço para crescer em Lisboa. Veem Faro como uma alternativa, e bem, porque nós temos defendido há muito tempo que os aeroportos em Portugal não são só Lisboa e Porto. Faro existe há muitos anos, e até Beja.
Tentamos mostrar às companhias que Faro pode ser uma alternativa para o crescimento que desejam, mas que não conseguem em Lisboa por falta de slots.
No Algarve, ao contrário, temos margem de crescimento, e estamos empenhados nisso.
Corremos muitas vezes atrás do prejuízo, porque vemos outras regiões europeias com capacidade de investimento muito superior, especialmente ao nível de campanhas de marketing que apoiam a atração de operações para os seus aeroportos.
“Há companhias que nos procuram por não terem espaço para crescer em Lisboa. Veem Faro como uma alternativa, e bem, porque nós temos defendido há muito tempo que os aeroportos em Portugal não são só Lisboa e Porto. Faro existe há muitos anos, e até Beja”
A TAP abriu a rota Funchal-Faro. O que levou à abertura desta rota?
Creio que foi uma resposta ao anseio de duas regiões. A situação nasceu de uma conversa entre mim e o Eduardo Jesus, em que comentávamos que víamos aqui uma oportunidade para concretizar.
O Algarve e a Madeira desafiaram a TAP, apresentando evidências de que esta rota era viável, concretizável e, esperemos, rentável. A TAP aceitou o desafio e reconhecemos com agrado essa disponibilidade para trabalhar com o Aeroporto de Faro. É muito significativo estarmos novamente ligados a todos os aeroportos nacionais, passados muitos anos.
Estão expectantes quanto ao fluxo de passageiros?
Sem dúvida, quer nesta rota, quer noutras. A nossa expectativa é que as rotas que começam apenas para o verão IATA se tornem anuais.
É uma resposta a um dos nossos principais desafios: a atenuação da sazonalidade. Temos vindo a conseguir demonstrar que o turismo pode existir durante todo o ano. Estamos muito expectantes que esta ligação corra bem e se torne permanente.
Fica cada vez mais difícil perceber por que há companhias a apostar no Algarve para rotas de longo curso e a companhia de bandeira não o faz? Que leitura se deve fazer disto?
A leitura que faço resulta dos contactos que tive com o Presidente da TAP desde que assumi funções.
Foi-me explicado que, até à conclusão do processo de privatização, a TAP está limitada na sua capacidade de criar novas rotas.
Apesar disso, vemos algumas surgirem, talvez já planeadas. Registo com agrado qualquer disponibilidade da TAP para trabalhar com o Algarve e continuarei empenhado em reforçar a sua presença, que é muito reduzida: creio que representa cerca de 2% da operação total do Aeroporto de Faro.
Revisão legislativa das Entidades Regionais
Numa reflexão publicada no TNews, escreveu que bastava uma hora com poder sobre o país para aprovar a revisão da Lei n.º 33/2013 e devolver autonomia administrativa e financeira às Entidades Regionais de Turismo. Porquê essa prioridade? O que tem falhado no modelo atual?
Não há muita coisa que se possa decidir, fazer e executar numa hora. Mas com alguma ambição, até seria possível.
Recordo-me das experiências que tive quando trabalhei no Ministério, há alguns anos. Quando era preciso, juntávamo-nos — assessores jurídicos e adjuntos dos ministros — para encontrar soluções legislativas urgentes. Esta revisão é ambicionada há muito tempo e já não são precisos mais argumentos para justificar a sua necessidade.
Exortei o Secretário de Estado a tratar deste dossier como prioritário. Aliás, ele consta na pasta de transição. Esperamos que esta transição seja tranquila, mas insisti para que esta questão fosse resolvida de forma a dotar-nos de maior eficácia na nossa ação.
O que defende nessa revisão da lei?
É uma proposta amplamente consensualizada com os meus colegas e com o próprio Secretário de Estado, que a subscreveu. Queremos que a lei nos confie, efetivamente, a autonomia administrativa e financeira que o diploma menciona, mas que na prática não temos, devido a outros diplomas resultantes do enquadramento orçamental do Estado. Isso retira-nos capacidade de resposta e eficácia perante os desafios diários do setor, públicos ou privados. Não é que não consigamos fazer o nosso trabalho, conseguimos, com muito esforço e dedicação das nossas equipas, mas temos de responder a um conjunto de procedimentos e pedidos de autorização que muitas vezes não fazem sentido. Essa limitação compromete as nossas competências e atribuições na região. Só se resolve com a alteração da lei.
Depois, claro, tenho outras ambições para essa revisão. Por exemplo, a própria estrutura das Entidades Regionais de Turismo, tanto para promoção interna como externa, poderia ser revista.
Fusão das ERT’s e ARPT’s: “Confesso que prefiro essa solução. Seria mais eficaz, mais eficiente, e dar-nos-ia maior capacidade para desenvolver as nossas competências”
Propõe uma fusão entre as Entidades Regionais e Agências Regionais de Promoção Turística?
Não sei se não seria desejável algo semelhante ao que aconteceu com o Turismo de Portugal: juntar tudo num único edifício, numa só estrutura.
Pessoalmente, confesso que prefiro essa solução. Seria mais eficaz, mais eficiente, e dar-nos-ia maior capacidade para desenvolver as nossas competências.
Aliás, durante este último ano de discussão da revisão da lei, tanto o Secretário de Estado como o Presidente do Turismo de Portugal reconheceram que algumas atribuições devem ser melhor desempenhadas pelas entidades regionais.
Queremos ver isso espelhado na nova lei, com um reforço correspondente do financiamento.
Registo com agrado o reforço orçamental para 2025, resultado das verbas do Turismo de Portugal — parte para as agências, parte para as entidades regionais, através de contratualização direta.
Mas, do ponto de vista do Orçamento de Estado, desde 2016 que o nosso orçamento é exatamente o mesmo. Ao cêntimo.
Desde então, temos vindo a perder capacidade de ação, mesmo sem contar com o aumento do custo da mão de obra ou dos bens e serviços. Só a inflação já é suficiente para justificar uma atualização.
“Ambiciono claramente que, para 2026, haja um aumento do financiamento às entidades regionais, tanto para promoção interna como externa”
Tem essa expectativa para 2026?
Tenho sempre essa expectativa e lutarei por ela enquanto estiver nas funções que desempenho.
Vejo que existe margem orçamental dentro do próprio setor da economia. E espero ver uma preponderância do turismo no próximo governo.
Ambiciono claramente que, para 2026, haja um aumento do financiamento às entidades regionais, tanto para promoção interna como externa.
Seria excelente que esta revisão da Lei 33 se concluísse em 2026. E, se não for possível nesse ano, que o seja em 2027, para trabalharmos de forma mais estruturada.
Foi eleito em 2023 e está agora a meio do mandato. Que balanço faz da sua gestão até aqui? Que conquistas destaca?
Antes de mais, tem sido uma honra. Extremamente gratificante estar à frente de uma entidade que, como costumo dizer, é talvez a mais representativa de toda a região.
Representa os 16 municípios, o setor público municipal, a CCDR, 14 associações do setor, dois sindicatos… Poucas entidades têm esta representatividade regional.
Tem sido um caminho feito em conjunto e é isso que mais destaco nestes dois anos. Um trabalho conjunto com todos os agentes: municípios, associações, setor privado e entidades públicas.
Quer na estruturação da oferta, onde os municípios têm papel fundamental; quer na sustentabilidade, na gestão de recursos e impactos do turismo no território; quer na monitorização; quer no trabalho com as empresas, que são quem faz acontecer o turismo todos os dias.
É gratificante ver que temos atingido os objetivos definidos na nossa estratégia.
No que diz respeito à conectividade aérea, concretizámos todas as rotas previstas nestes dois anos. Alargámos a vigência de algumas, originalmente só previstas para o verão.
Crescemos em capacidade, tanto para mercados consolidados como diversificadores. Era um dos objetivos a cinco anos e estamos a cumpri-lo.
Permita-me ainda destacar a sustentabilidade, que tem sido o nosso foco principal. Por exemplo, recebemos o relatório do primeiro ano de implementação do Selo Save Water, lançado em resposta à escassez hídrica de 2024. Este relatório demonstra que conseguimos reduzir 13% do consumo global de água nas unidades de alojamento turístico em relação a 2023. Superámos o objetivo. Inicialmente, a meta era 13%, depois revista para 10%. Atingimos os 10% no consumo por dormida. Isto resultou de um trabalho conjunto com todas as entidades envolvidas. Também destaco a campanha associada ao Save Water, e outros projetos que temos desenvolvido, sempre com o mesmo denominador comum: trabalho conjunto.
“No que diz respeito à conectividade aérea, concretizámos todas as rotas previstas nestes dois anos. Alargámos a vigência de algumas, originalmente só previstas para o verão.
Crescemos em capacidade, tanto para mercados consolidados como diversificadores. Era um dos objetivos a cinco anos e estamos a cumpri-lo”
E quais são os objetivos para os próximos dois anos?
Continuar este trabalho. Colocar o Algarve na posição desejada: um destino de excelência, reconhecido internacionalmente pela autenticidade e diversidade da sua oferta.
A nossa diversidade é uma das grandes mais-valias da região. É impressionante a quantidade de experiências que o Algarve oferece, com infraestruturas de qualidade e uma preocupação real com a sustentabilidade. Essa preocupação reflete-se não só em projetos como o Save Water, mas também no apoio a iniciativas municipais para certificação de sustentabilidade dos territórios. É uma ação coletiva que vai deixar legado.
Queremos continuar a captar grandes eventos internacionais, que contribuem para combater a sazonalidade, já que decorrem na época baixa. Eventos como a Volta ao Algarve ou o MotoGP vão manter-se. Queremos também retomar os grandes eventos de golfe internacional e reforçar eventos ligados à arte equestre, com apoio do Turismo de Portugal.
E há ainda um desafio essencial para o futuro: a conciliação da atividade turística com as comunidades locais. As comunidades conferem autenticidade e diversidade à nossa oferta.
É essencial manter uma estratégia de compatibilização entre atividade turística e qualidade de vida dos residentes. Esse equilíbrio será uma das nossas maiores apostas para o futuro.
“A conciliação da atividade turística com as comunidades locais é um desafio essencial para o futuro”
by TNEWS