Uma casa senhorial de campo do século XVIII, com vistas para os vinhedos ou para os jardins, está situada no Parque Natural da Arrábida. Ela é o centro desta história. Em tempos, foi uma das propriedades do Colégio de São Francisco Xavier de Setúbal, da Companhia de Jesus, entre 1663, ano em que foi adquirida, e 1759, data da expulsão da congregação e do confisco dos seus bens. No século XIX, a propriedade seria comprada pelo Conde da Póvoa, integrando depois, por casamento, os bens da Casa dos Duques de Palmela. Classificada como imóvel de Interesse Municipal (1996), presentemente, esta casa alberga uma unidade hoteleira de 5 estrelas do distrito de Setúbal, parte do grupo Once Upon a House e membro da Small Luxury Hotels of the World. Desconectei-me do mundo agitado, no meio de 72 hectares da Quinta do Esteval, que retirou o seu nome da esteva, arbusto característico da paisagem portuguesa. Fiquei atento, porém, aos espaços absolutamente inspiradores.
Os primos Salvador e Bernardo já eram muito próximos quando mais novos: “Todos os disparates que fazíamos eram juntos. Um dia tínhamos de fazer uma coisa certa.”
Com Salvador Holstein, membro da família e primo direito do proprietário que assegurou a instalação desta unidade hoteleira, falei de manhã depois de um ótimo pequeno-almoço: “A natureza não destrata ninguém”, referiu o atual diretor de Comunicação.
Salvador é um conversador nato. Vivia no Brasil quando o seu primo lhe fez a proposta de trabalhar neste projeto, embora não fosse da hotelaria. Licenciou-se em Relações Internacionais e no Brasil trabalhava numa empresa de construção civil. De perto, trabalhou no turismo argentino, onde tem uma empresa, mas como prestador de serviços e não como hotelaria. Quando regressou a Portugal para este projeto, fez uma pós-graduação em Hotelaria e Turismo no ISCTE: “Como acompanhei as obras, sinto que fiz parte, quase organicamente, da passagem, e não fui afetado, emocionalmente.” Salvador disse uma frase-chave da hotelaria: “Quando não há problemas, temos que os procurar, para antecipá-los.”
Desde a entrada pela estrada nacional – assinalada por dois muretes rematados em volutas, de rebordo curvo, entre pilastras rusticadas de aparelho isódomo, rematadas por pináculos, com portão de ferraria –, parte uma vereda ou grande eixo bordejado por muretes de alvenaria, incluindo, de ambos os lados, bancos, desembocando num largo, que é a zona de receção e acolhimento, de forma circular, com muro de rebordo curvo, lateralmente rematado por volutas, adossado a pilastras rusticadas de aparelho isódomo, rematadas por pinhas simples, com portões de ferro verticais. No centro desse espaço de acolhimento, de chegada e de encontro, de partida e de saudade, está um lago com quatro crescentes justapostos que nos remetem para os sinais heráldicos.
Esta casa senhorial é encimada por pedra de armas que correspondem à família dos Sousas, ditos de Arronches, sobrepondo-se ao escudo um coronel com cinco florões aparentes, que exprime a dignidade nobiliárquica de duque. Aquela estirpe teve origem em Diogo Afonso de Sousa, filho de Afonso Dinis, bastardo do rei D. Afonso III, e de D. Maria Pires Ribeira, uma das herdeiras da antiga casa de Sousa, tida como a mais importante linhagem ao tempo da fundação da nacionalidade. Esta aliança encontra-se representada no brasão, pois ao antigo símbolo próprio dos Sousas – os quatro crescentes, formando aquilo que em heráldica se designa como uma caderna – juntam-se os sinais evocativos do sangue real. Estas armas, assim combinadas, foram usadas por um dos ramos em que se dividiram os Sousas de Arronches, também conhecidos como Sousas do Calhariz, em referência ao importante morgado que possuíam com este nome. Foi representante desta família Pedro de Sousa Holstein, 1.º duque de Palmela, título com o qual lhe sucederam os descendentes.
Ao entrar, fui recebido pela estagiária Carolina, que acabou por ser um membro muito presente durante estes dias de estada na Casa Palmela Hotel & Country Houses. Ela circula para atender a tudo o que seja preciso.
Naquele vestíbulo, que antes albergava espaços funcionais de apoio à atividade agrícola, passavam funcionárias de limpeza em grande azáfama. Pensei que aquele não era um lugar propício ao frenesim, mas ao sossego. O que acontece, porém, é que, neste hotel, tudo deve estar no seu lugar, obrigando a que cada funcionário desempenhe as funções, sem reparos. Quando eu observava esse movimento, chegou José Ribeiro, rececionista, que desempenha muito bem o papel de “concierge”, ou seja, um guia local que informa sobre o mais importante a visitar na região. Ele passou a ser uma figura central durante os meus dias neste hotel, até levando o minibar ao quarto. Antes, já trabalhou em diferentes unidades hoteleiras. Ambos falámos, entre outras coisas, dos idiomas em hotelaria e do futuro da língua portuguesa, sempre com uma simpatia e uma cortesia exemplares por parte deste colaborador.
Carolina conduziu-me, por sua vez, ao quarto pela escada principal de pedra, que, por sinal, tem um friso azulejar, com uma composição esquemática e de padronagem, e se prolonga em diversas áreas sociais do piso térreo num efeito de cercadura.
A Carolina e o José são dois dos protagonistas deste hotel. Todos são importantes, desde a direção à equipa operacional. Tal como todos os hóspedes são importantes, mesmo que haja figuras públicas a frequentá-lo. Por se ter tornado do domínio público, este é um hotel que, regularmente, recebe Éric Daniel Pierre Cantona, ator e antigo futebolista francês, a residir em Lisboa, bem como o ator português Isaac Alfaiate e a cantora portuguesa Simone de Oliveira, neste caso durante a gravação de uma entrevista para a SIC.
No exterior, olho à volta o enquadramento rural da casa e a zona de plantação de vinha, entre campos de cultivo. Os 16 hectares de vinhas são alugados à empresa José Maria da Fonseca, por um valor simbólico, sendo as únicas vinhas na região a não terem rega, tudo é natural. Curiosamente, há roseiras em sítios estratégicos. Quando há iminentes doenças nas vinhas, as rosas são as primeiras a serem afetadas. Pelas rosas, o viticultor consegue antecipar-se e prevenir o problema em larga escala. A sustentabilidade é um dos objetivos deste hotel, sublinhe-se.
Há quem assegure que a propriedade existe desde o início do século XVII, funcionando como quinta de rendimento. Alvitram-se os nomes de Pedro Barreto de Castro e de João de Mendonça Furtado, transitando para sua filha Maria da Silva de Mendonça (1655), mantendo a propriedade na sua posse até ao final de 1663, quando negociou com religiosos a venda da propriedade por 500$000 réis da propriedade, que constava de casas, vinhas, pomar, terras de pão, matos e olivais e outras pertenças.
Depois, durante quase um século, atravessando as últimas décadas de seiscentos e mais de metade do século seguinte, a Quinta do Esteval permaneceu nas mãos da comunidade jesuíta do Colégio de São Francisco Xavier, de Setúbal, durante as quais adquiriram fazendas nas imediações do Esteval, conferindo a esse conjunto patrimonial uma relevante dimensão geográfica e económica. Contam os documentos que os clérigos usaram a propriedade essencialmente para a exploração agrícola, antes arrendada a outrem e, depois, explorada pelos próprios, em detrimento de qualquer função de recreio. Morava, apenas, um religioso não sacerdote que desempenhava as funções de feitor e administrador. O terramoto de 1755 causou danos na região, mas os padres da Companhia ocuparam-se, sobretudo, da reedificação do seu Colégio em Setúbal. Na época, residia na Quinta do Esteval, como feitor, o irmão Bernardo da Silva, explorando terras de semeadura, pinhal, matos, vinha, parreiras, olival e algumas árvores de espinho.
Por carta régia de 19 de janeiro de 1759, foram sequestrados os bens dos jesuítas, porque Sebastião José de Carvalho e Melo sentenciou a condenação dos implicados marqueses de Távora e duque de Aveiro na tentativa de regicídio ocorrida em setembro do ano anterior, atendendo a que considerou os religiosos jesuítas como estando coniventes com o sucedido. Através de leilão, ficou como arrendatário José Bento de Mesquita Pimentel, um destacado proprietário da região. Entre 1759 e 1826, foi um período dominado por lavradores pouco conhecidos, como foi o caso de Manuel Vidal. Mais tarde, a Coroa deu a Quinta do Esteval de aforamento, constituindo-se sobre a propriedade, em 1768, um prazo perpétuo de que foi enfiteuta Sebastião José Correia. Este incrementou obras no final do século XVIII, com traço pombalino setecentista e configuração aristocrática, por desejo de afirmação social, mas terá tido dificuldades financeiras. Isso obrigou a Coroa a retirar-lhe a posse, até porque não havia herdeiros diretos.
Na época, a Quinta do Esteval dispunha de condições para alojar uma grande família. Em 1805, José António de Gouveia passou a herdeiro universal de Sebastião José Correia, a mando do Marquês de Pombal. O herdeiro era um homem de negócios, que explorava, em Setúbal, as rendas do Real de Água e administrava uma fábrica de sola. Porém, na “Gazeta de Lisboa” do dia 14 de outubro de 1814, lê-se o seguinte anúncio: “Vende-se a quinta do Esteval, sita nos termos de Setúbal e Palmela, que consta de pomares de espinho e caroço, vinhas, olivais, terras de pão, matos e pinhais; com casas nobres, lagares de vinho e azeite; vários casais, e fornos de cal, telha e tijolo: quem a quiser comprar fale com José António de Gouveia, em Setúbal”. Porém, não conseguiu a venda e as dívidas foram-se acumulando, até que uma resolução judicial acabaria por impor a alienação em hasta pública.
A partir de 1826, entra-se no período da aristocracia.
Henrique Luís Mouchet teve a missão de tentar comprar a propriedade avaliada em 7.553$000 para o conde da Póvoa, Henrique Teixeira de Sampaio, o maior capitalista do reino de Portugal, que afinal fechou o negócio por 16.010$000, para investimento fundiário, como forma de aplicar e rentabilizar os seus avultados proveitos financeiros.
A propriedade passaria à família Palmela, por casamento entre Maria Luísa de Noronha e Sampaio e o 2.º duque de Palmela, Domingos de Sousa e Holstein Beck (1839). Maria Luísa acabaria por ser a herdeira principal, por morte do seu irmão mais velho. A propriedade compunha-se de arvoredo de espinho e caroço, terras de semear, matos, pinhal, olival, vinhas, água de pé e de nora, casas nobres, lagar de azeite, casas de quinteiro e de abegoaria. A Quinta do Esteval não se encontrava arrendada, sendo feita a sua exploração direta através de lavradores que nela viviam e que asseguravam o seu cultivo.
A propriedade serviu, também, para acampamento das tropas liberais, sob comando do futuro duque da Terceira, dias antes da sua entrada vitoriosa em Lisboa. Mais tarde, durante a Patuleia e no rescaldo do combate do Alto do Viso junto a Setúbal ocorrido a 2 de maio de 1847, a propriedade terá servido de hospital de campanha para acudir às significas baixas resultantes do confronto.
Maria Luísa de Sousa Holstein, 3.ª duquesa de Palmela, recebeu de herança a propriedade (1861). Foi escultora e fundadora das Cozinhas Económicas, seis unidades abertas entre 1893 e 1906 em Lisboa. Aliás, à entrada desta casa senhorial estão duas obras da sua autoria, que captam a atenção de quem se dirige à receção. Do lado direito, junto à escadaria de pedra que dá acesso ao piso superior, está “Diógenes”, peça criada em 1883 e premiada, no ano seguinte, na exposição anual organizada, em Paris, pela Société des Artistes Français. Do lado oposto, sobre o aparador de tampo em pedra, está o busto de um camponês, provavelmente um dos trabalhadores desta propriedade.
A Quinta do Esteval continuava a ser uma fonte de rendimento através da sua exploração agrícola, não havendo notícia de que os proprietários a utilizassem para viver ou passar temporadas. Os seus proprietários sucederam-se na linha genealógica da família. De 1949 a 1969, a propriedade ficou no seu herdeiro, Domingos de Sousa Holstein Beck. No início da década de 1970, a propriedade recebeu obras profundas, depois de transitar em partilhas para Bernardo de Sousa Holstein Beck, 2.º marquês de Monfalim. O projeto desta intervenção foi da autoria do arquiteto Alberto Cruz, com data de 1972, tendo decorrido os trabalhos entre o ano seguinte e 1975, depois de ter passado século e meio nas mãos dos seus antepassados com uma utilização exclusivamente agrícola. Fez-se desta casa uma residência de família. O edifício principal passou, então, por um processo de adaptação, a fim de adquirir uma habitabilidade adequada às exigências contemporâneas.
Já no século XXI, a necessidade de venda levou a que se efetivasse a compra da propriedade por parte de um dos membros da família, o casal Joana e Bernardo Holstein Guedes, que se estreara, em Lisboa, com arrendamentos turísticos nos bairros históricos. A propriedade estava na posse da família há cerca de 200 anos. Numa altura em que eram 10 os herdeiros, o grupo hoteleiro de Joana e Bernardo acabou por tomar a posse plena da propriedade, para não ir para mãos estrangeiras. A casa abriu-se ao mundo, transformada em unidade hoteleira pelo traço do arquiteto João Miguel Duarte Ferreira e aberta em agosto de 2016.
Durante esta linha do tempo resultou, portanto, um edifício com elementos maneiristas, barrocos, pombalinos, rococó, vernaculares e da atual contemporaneidade.
O maneirismo na grande sobriedade de linhas e desenho que caracteriza a casa senhorial da sua época, sendo que a janela de sacada da fachada principal apresenta uma sóbria decoração ao nível do lintel.
O barroco ressalta na planta em “L” da casa – numa transformação em relação ao mais comum formato em “U” da casa seiscentista –, em conjugação com o espaço ajardinado, no emprego dos vários materiais decorativos e nas suas tonalidades, no partido tirado dos espaços, dos claros e dos escuros, evidenciados, interiormente, pela luz dos lumes das janelas.
O rococó na ornamentação de azulejos com uso de ramagens, grinaldas onduladas e aves, nomeadamente, ao cimo das escadas exteriores, junto à porta de entrada na galeria, onde se encontra uma figura de convite e indicadora de percurso, que, apesar de não estar no seu lugar de origem, continua a desempenhar o papel que lhe era atribuído pela cultura e mentalidade portuguesas de setecentos – “entre Sua mercê”.
O pombalino na fachada principal, com a sacada de ferro forjado, a sequência de vãos sobrepostos, os silhares de padronagem policroma em composição, com conjugação de dois motivos diferentes (radial e central), envoltos em cercadura de concheados, sobre rodapé esponjado.
Também se notam traços arquitetónicos de grande erudição no edifício principal e, por oposição, o carácter vernacular expresso na cimalha das fachadas, nos alpendres e na sua colunata, nos telhados múltiplos e na escada interior e exterior com alpendre.
A contemporaneidade dos tempos atuais sente-se no projeto de renovação para hotel.
Sob os tetos abobadados e sobre o chão empedrado dos espaços públicos, estão peças de mobiliário, com especial destaque para o cofre em ferro.
Uma estada de três dias dá para conhecer e pernoitar num dos 21 quartos do hotel, incluindo a Casa do Jardim (3 quartos), junto ao ângulo que faz a junção das fachadas poente e sul da casa principal e que antes era arrumos de maquinaria agrícola. Há, ainda, um bloco separado de 5 casas para famílias, procurando o relaxamento e uma visita à área, a cavalo ou de bicicleta, junto das quais está o salão para reuniões e eventos, evocando o citado 2.º marquês de Monfalim, Bernardo de Sousa e Holstein Beck, avô do meu anfitrião, Salvador Holstein.
Na casa principal, os quartos são quase todos decorados em tons suaves: azul-claro, verde-água e rosa-pálido. Os quartos de categoria Premium têm varanda para o jardim. A antiga biblioteca é, agora, um quarto Deluxe, e o antigo quarto principal da família foi transformado em Master Suíte de dimensões generosas e varanda para o jardim. Cada quarto e os corredores contam a história dos membros da família dos seus proprietários, através de pintura, escultura, desenho e fotografia. Há um livro académico do Conde de Calhariz, sobre a escrivaninha em madeira.
Na suíte que me coube (21), pintada de branco e com vista para a frente do hotel e para o campo, repousava um cartão assinado pela diretora Maria Limas, no qual se manifesta o prazer de me receber. Maria Manuel Limas já passou por outras unidades hoteleiras: Villa Termal das Caldas de Monchique, Hotel Timor, em Díli, e O Pinhal da Marina, em Vilamoura.
Neste quarto, alguns pormenores, que eu nunca vira noutro hotel, despertaram-me a atenção, ou seja, as almofadas sobressalentes estão protegidas por um saco de têxtil com logótipo bordado do hotel. Também se informa o hóspede do facto de os roupões servirem para aumentar o conforto da estada, mas para levar como recordação deve-se adquirir na Pop-Up Store, a loja do hotel, onde também há velas aromáticas, cerâmicas portuguesas e outros têxteis suaves. Há uma caixa específica para guardar o comando do televisor. Nas paredes, existem alguns quadros, com particular destaque para um exemplar do pintor José Rodrigues, representando uma vista de casa, e um outro da pintora Maria Isabel, representando uma paisagem. Por sinal, Maria Isabel Alves Machado nasceu no Porto e fez a sua dissertação de licenciamento em História, intitulada “Subsídio para a História da Litografia no Porto” (1970), dado que foi sócia da Empreza do Bolhão, Lda., produtora de material de publicidade.
Por falar em paisagem, nunca é demais referir o enquadramento paisagístico notável, que convida para diversas atividades, sempre com a vinha e a misteriosa Serra da Arrábida como cenário.
Entre as vinhas de Syrah, debaixo de um grande sobreiro, organizam-se sessões de ioga ou observação das estrelas. O Slow Wellness Centre é um pequeno edifício em “L” revestido a madeira, que funciona diariamente por marcação. Come-se e bebe-se nos bares ou no restaurante Zimbral focado na gastronomia portuguesa, privilegiando ingredientes locais e o conceito “Farm-to-Table”.
As refeições são uma homenagem às delícias da região, e as múltiplas peças decorativas e de serviço da Fábrica de Faianças Bordallo Pinheiro reforçam a beleza à mesa.
O pequeno-almoço pode ser servido no restaurante ou no terraço junto ao jardim, e importa degustar os ovos mexidos, porque são dos melhores que alguma vez comi. As refeições mais prolongadas usufruem da riqueza da região, do mar às coisas da terra. O peixe provém do Mercado do Livramento, em Setúbal, e os legumes da produção local e da horta do hotel.
O nome do restaurante, Zimbral, deve-se ao zimbro, uma espécie autóctone da Serra da Arrábida, cujas bagas têm um aroma característico para bebidas alcoólicas e condimento de alguns pratos regionais. O chefe de sala João Sousa serpenteia-se pelas mesas, assemelhando-se a um dançarino ou personagem de um filme italiano, interagindo com os clientes em diferentes idiomas. É o mais antigo funcionário do hotel. Já percorreu o mundo em funções hoteleiras, desde Chicago à Suíça e, também, em Cruzeiros de luxo. Ele anota os pedidos, mas foram dois empregados de mesa de extrema educação e profissionalismo que lhe deram continuidade, um deles de apelido Brito e a Júlia Carvalho. Excelentes são o pastel de bacalhau com maionese de limão e sementes de sésamo e o azeite alentejano produzido por António Garcia, da Aldeia Velha, em Aviz. As refeições são concebidas sob a batuta do “chef” José Fossati e do “chef” José Duarte. O creme aveludado de castanhas, o polvo à moda do Ti Pedro, o robalo de anzol com verduras e legumes da nossa horta, a garoupa com arroz de tomate e ameijoas e o veado com risoto de cogumelos foram os pratos gastronómicos principais que recomendo. A acompanhar, foi escolhido um Duque de Palmella Reserva Tinto 2023, de José Maria da Fonseca, a partir das castas Castelão e Cabernet Sauvignon, e um Douro Superior Vale D. Maria Tinto 2022, oriundo de vinhas situadas em patamares elevados e expostas a norte, composto por diferentes castas. A terminar, não pude deixar de apreciar o pudim de moscatel roxo com gelado de limão, uma verdadeira obra-prima da cozinha desta região, seguido de um moscatel Alambre 2021, de José Maria da Fonseca, a molhar os lábios.
O espaço estava pleno de hóspedes estrangeiros, embora eu não fosse o único português. Um deles refere-me, com entusiasmo, no seu inglês perfeito: “Estamos a ter uma experiência realmente maravilhosa neste restaurante. Desde o momento em que chegámos, tudo parece acolhedor e bem pensado. Neste final de tarde, a vista é lindíssima, o ambiente é acolhedor e o serviço é de primeira qualidade. Não podíamos ter pedido uma noite melhor!”
Além destas refeições de prazer, o chá das cinco, servido na mesa junto à lareira da sala de estar, está disponível para os hóspedes sem qualquer custo adicional, e o “honesty bar” permite um serviço a qualquer hora, sendo apenas necessário registar o consumo no papel do serviço. As provas vínicas são acompanhadas por tábuas de queijos e/ou de enchidos, sendo o terraço contiguo ao restaurante o local ideal para esta atividade de fim da tarde.
Para aproveitar os dias, Once Upon a Day, um escritório específico, com matraquilhos e bicicletas à porta, serve para orientar experiências e personalizar um conjunto de atividades temáticas na região da Arrábida: visitar um produtor de vinho local ou participar de uma degustação de vinhos; admirar a prática tradicional rural da casa e conhecer as diferentes etapas das vinhas; viajar a bordo de um confortável veleiro ou yatch, com um cesto de piquenique; passear a cavalo no Parque Natural junto às vinhas, por entre sobreiros e pinheiros; passear em BTT ou E-bike; jogar golfe num campo próximo; experienciar a visita a uma comunidade residente de golfinhos; e aproveitar o “Beach Club” feito à medida do hóspede para desfrutar das areias brancas ou visitar praias inacessíveis de outro modo.
Os passeios pedestres pelos trilhos delimitados no Parque Natural da Arrábida são uma das atividades disponibilizadas e muito procuradas, existindo um mapa fornecido na receção do hotel. Um estrado de madeira sob um enorme sobreiro é o local ideal para leitura, observação de aves, piquenique ou o ioga a horas marcadas. E há uma cabra que sobrou da manada que limpava os terrenos. Viúva do bode, a cabra foi adotada pelos cavalos. Sempre que há passeios de cavalo, a cabra acompanha.
Não será por acaso que um dos livros presentes no espaço público deste hotel é “Onde os Rios se Separam”, de Mark Spragg, que conta as memórias da vida do autor na terra americana, uma vida passada no meio da natureza, entre “cowboys” e solidão. O ambiente deste hotel é um pouco isso, no meio da natureza, com cavalos. Só faltam os “cowboys”, mas talvez não sejam convenientes. Não se sente solidão neste hotel, a menos que seja procurada pelo hóspede. Por curiosidade, leio o início do livro citado, em capítulo intitulado “Em Louvor dos Cavalos”: “Quando eu era pequeno, o meu pai tinha cavalos, mais de uma centena, alguns deles muito pouco dóceis, e eu era um bom cavaleiro. O meu pai acreditava que os cavalos existiam para serem úteis e que os rapazes nada eram se não tivessem alguma utilidade. Acreditava que, ao fazer-me trabalhar com cavalos, estava a pôr em prática um plano económico óbvio, natural. A sua esperança era que os cavalos me redimissem e que eu redimisse os cavalos.”
Existem muitos mais livros como este no hotel, podendo os próprios hóspedes trocá-los por outros vindos das suas casas. O que não pode acontecer ao livro de testemunhos, que vai sendo preenchido e, quando acaba, um outro é encomendado. O selo antigo da família é sempre o mesmo, passando de capa para capa, de ano para ano, de geração em geração.
A história continua, sempre a bem-receber, nesta grande casa branca e serena.
*Jorge Mangorrinha é pós-doutorado em Turismo, doutorado em Urbanismo, mestre em História Regional e Local (especialização em Património) e licenciado em Arquitetura. Autor multifacetado recebeu o Prémio José de Figueiredo 2010 da Academia Nacional de Belas-Artes. Com experiência no planeamento turístico, em Portugal e no estrangeiro, exerceu, também, como gestor técnico na Parque Expo’98 e como presidente da Comissão Nacional do Centenário do Turismo em Portugal (1911-2011). Colabora com o TNews, tendo sido o autor da rubrica “A Biblioteca de Jorge Mangorrinha”, a que se seguiu “Há História no Hotel”.
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