A Quinta do Crasto prepara-se para dar um novo passo no enoturismo com o desenvolvimento de um projeto hoteleiro de cinco estrelas. Em entrevista ao TNews, Gilberto Rodrigues, que assumiu a direção no início do ano, revela que o investimento de cerca de 13 milhões de euros será concretizado em três fases, com 19 unidades de alojamento – algumas com piscinas privativas –, dois restaurantes, loja de vinhos, salas de provas e spa. As obras deverão prolongar-se por três a quatro anos, com abertura prevista para o final de 2029.
Começou o ano de 2025 a assumir a direção da Quinta do Crasto. O que significa este novo desafio profissional para si?
Foi um enorme orgulho este convite por uma razão muito simples. Tenho uma ligação ao Douro, que foi onde comecei a minha carreira profissional, e criei uma estreita relação com o Alto Douro Vinhateiro primeiramente e, logo em seguida, com a Quinta do Crasto, de quem sempre fui um fã incondicional.
Ao longo dos anos, mantive uma relação muito estreita com a Quinta do Crasto, também por esta paixão pelos vinhos e com a relação que ia tendo com os proprietários. Para todos os efeitos, sempre muito alavancado por esta visão de que, um dia, a Quinta do Crasto poderia vir a pensar num projeto hoteleiro. Fui estando em alguns momentos de decisão e opinião relativamente a este projeto. No fundo, isto é uma história que tem 20 anos e que sempre se falou de, com o tempo, um dia poder vir a acontecer.
Quando o convite surgiu no ano passado, em 2024, não hesitei muito porque a Quinta do Crasto é um aliar de duas coisas muito interessantes para mim. Por um lado, é uma quinta de enorme prestígio a nível nacional, mas também internacional, no que respeita à produção de vinho, com muita notoriedade e visibilidade.
Por outro, é esta oportunidade de, à semelhança do que fiz no The Lince Santa Clara, em Vila do Conde, poder desenvolver este projeto hoteleiro. É, de raiz, acompanhar toda a fase de desenho de planta, de relação com a arquitetura e a engenharia, do processo de obra e, simultaneamente, montar toda a operação hoteleira.
Enquanto diretor, qual é a sua visão para o projeto hoteleiro da Quinta do Crasto?
Gosto deste desafio porque tenho sempre em mente que podemos fazer algo especial. Aquilo que propomos é fazer da Quinta do Crasto uma referência não apenas daquilo que já é a marca de vinhos – porque temos essa vantagem muito importante de desenvolver um projeto hoteleiro em cima de uma marca de enorme prestígio –, mas queremos fazer dela uma referência a nível da hotelaria.
Não gosto muito de chamar-lhe hotel vínico, mas [insere-se] dentro de uma propriedade de cultura de vinhos que tem alojamento e queremos estar num segmento alto de prestígio, com muitíssima qualidade e sermos reconhecidos como uma das grandes referências em termos de unidades [hoteleiras].
“Aquilo que propomos é fazer da Quinta do Crasto uma referência não apenas daquilo que já é a marca de vinhos, mas queremos a nível da hotelaria”
Em que pé se encontra o projeto hoteleiro da Quinta do Crasto? Qual é a previsão para o arranque das obras?
Terminámos, ainda com alguns ajustes, a fase do projeto e há uma intenção de o ir desenvolvendo em termos de obra por diferentes fases. Ainda não determinámos com precisão quando é que vamos arrancar, porque tem também a ver com a operação da Quinta do Crasto. Portanto, estamos na fase de finalização da parte do projeto. Após arrancar, será desenvolvido num intervalo total de três a quatro anos, entre a primeira e a última fase do projeto.
O que pode adiantar em termos de número de quartos, espaços e comodidades?
Aquilo que queremos fazer é dentro do espírito e da essência da Quinta do Crasto, que é uma quinta familiar, com uma estrutura pequena/média, onde já existe uma lógica onde as pessoas que vêm cá e percebem que estão num ambiente muito exclusivo. Não temos circuitos muito massivos, no sentido em que não é possível recebermos muita gente porque não temos essa capacidade.
Presentemente, nós fazemos provas, visitas, almoços e jantares, sendo que o alojamento não existe. Numa primeira fase, a intenção é avançar com a reformulação da nossa loja de vinhos e da componente das visitas e salas de prova.
O que queremos fazer é consolidar esta componente mais enoturística e, depois, criar 19 unidades de alojamento, todas espalhadas pela propriedade. No fundo, queremos camuflar na paisagem e na própria estrutura da quinta estas unidades de alojamento. Queremos um projeto de decoração de interiores de muitíssima qualidade.
Haverá um bloco de seis suítes, que terá uma piscina incrível com vista para o rio Douro, à semelhança da piscina original que já temos. Teremos uma casa com cinco quartos, também com piscina privativa, e uma outra casa com três quartos e piscina privativa. Vamos ainda ter na própria vinha, numa ruína existente, uma suíte individual com uma pequena piscina em frente. Esta suíte estará literalmente embutida no meio da vinha, num quarto único e numa experiência diferente na Quinta do Crasto. Vamos manter também quatro quartos que vão ser intervencionados, dentro de edifícios que já existem na quinta.
Teremos dois restaurantes: um que garanta refeições a todos os visitantes e outro exclusivamente para hóspedes. Será um conceito muito tradicional e regional que vai trabalhar em sintonia com os dois restaurantes.
Estas seriam as fases 1 e 2 deste projeto em fase de construção e, mais tarde, teríamos a oferta de um spa, que é importante para a lógica de cinco estrelas.
Mais concretamente, em que consistirão as três fases de construção?
A primeira fase será a loja de vinhos, salas de prova e visitas, um restaurante com capacidade para cerca de 50 lugares sentados e cave de vinhos com capacidade para cerca de 50 mil garrafas. A cozinha existente, atualmente na casa da família, manter-se-á em funcionamento aos almoços e passará também a servir jantares.
Na segunda fase, serão as 19 unidades de alojamento, estrategicamente espalhadas pela propriedade, bem como a recuperação da casa da família com a reestruturação da cozinha existente. Nesta altura, ficaremos com dois restaurantes: um direcionado para o enoturismo e outro exclusivo a hóspedes. Por fim, a terceira fase será a construção de um spa.
A piscina emblemática da Quinta do Crasto também será alvo de intervenção?
A piscina vai ser alvo de intervenção, nomeadamente na estrutura que lhe dá suporte, porque neste momento não deixa de ser uma piscina numa componente muito familiar e intimista que queremos manter. É uma piscina que é icónica na Quinta do Crasto porque tem um projeto de arquitetura de Souto Moura e tem uma localização incrível. Atrevo-me a dizer que é talvez a piscina mais bonita e mais bem localizada do Alto Douro Vinhateiro.
No total, vamos ficar com um universo de quatro piscinas dentro da Quinta do Crasto que vão dar suporte a estes diferentes polos de alojamento. Portanto, teremos diferentes piscinas espalhadas pelo Crasto porque queremos também que, em alguns blocos de quartos, exista uma piscina localizada para essa oferta de alojamento.
A ideia é que estes quartos tenham uma piscina à frente das suas unidades de alojamento para os hóspedes não terem de se deslocar, mas também preservar esta piscina original e mais icónica, que é comum a todos.
Qual é a projeção para o preço médio por quarto?
Variará em função das diferentes tipologias, mas o preço médio andará nos 500 euros, 550 euros por noite.
Qual é o valor de investimento das obras?
Salvando alguma margem de erro relativamente a este volume de investimento, mas andará nos 12-13 milhões de euros.
Para quando está prevista a conclusão das obras?
Diria que ficaria muito feliz, até pela experiência que tenho com o The Lince Santa Clara, e com algum otimismo, mas com mais segurança, se no final de 2029 tivermos este projeto todo consolidado.
Está prevista uma abertura faseada dos espaços, antes de as obras estarem totalmente concluídas?
Sim, abriremos o que iremos fazer por fases. Por exemplo, assim que terminarmos a primeira fase, que tem a ver com a componente da loja, da sala de provas e do restaurante para os visitantes, iremos fazer a abertura desse espaço e iremos continuar com as diferentes fases de intervenção de uma forma independente deste circuito.
A fase 1 vai incidir sobre esta área porque o que queremos fazer é, assim que estiver terminada, podermos continuar a receber as nossas visitas e, num outro espaço distante deste, continuar com as obras sem que isso interfira com o normal funcionamento deste espaço.
A ideia é abrirmos faseadamente até concluirmos, nomeadamente esta fase 2 do alojamento e dos restaurantes, mais a fase da sala de provas e da loja de vinhos. Numa fase posterior, arrancaremos com o projeto de spa, que é algo que ainda está a ser visto com mais atenção.
Quando tudo estiver terminado, nomeadamente o alojamento, vamos ter uma soft-opening e poderemos fazer uma inauguração, devidamente assumida no tempo, porque queremos dar a conhecer o projeto.
“É dentro de um segmento de luxo, sendo que o cliente que nos visita pelos vinhos já é um cliente altamente exigente. queremos completar o alojamento com todos os serviços que alavancam a experiência do hóspede”
Podemos afirmar que, com este projeto hoteleiro, a Quinta do Crasto tem como principal aposta os segmentos de luxo, enoturismo e wellness?
Exatamente. Luxo é uma palavra que não aplico muito, mas efetivamente é isso que queremos muito. É dentro de um segmento de luxo, sendo que o cliente que nos visita pelos vinhos já é um cliente altamente exigente. Os nossos clientes atuais, muitas vezes, já vêm de grandes hotéis ou de regiões vinícolas. No fundo, queremos possibilitar aos nossos visitantes que adorariam poder ficar connosco e completar o alojamento com todos os serviços que alavancam a experiência do hóspede.
Qual será o perfil de cliente das unidades de alojamento da Quinta do Crasto?
[O perfil será] alavancado pela própria promoção comercial que a marca de vinho Quinta do Crasto já tem em 54 países onde está presente. Neste momento, cerca de 60% da nossa produção vinícola é para consumo interno, ou seja, mercado nacional, e 40% para os mercados estrangeiros. Pela experiência de enoturismo, temos 65% a 70% de clientes que vêm do Brasil, Estados Unidos, Suíça, Canadá, países nórdicos, outros mercados e o mercado nacional. Enquanto marca portuguesa de vinhos, que tem vindo a fazer um trabalho comercial desde 1994, acredito piamente que este registo nos irá acompanhar porque é o histórico que temos a nível do enoturismo.
Quais são os principais serviços de enoturismo oferecidos pela quinta?
Aquilo que já oferecemos são as nossas visitas, seguidas por provas de vinhos, onde fazemos uma seleção. Temos várias opções de prova e as pessoas podem provar vinhos até à categoria mais alta, ou seja, de vinhos mais premium da Quinta do Crasto. São complementadas pelas refeições no nosso terraço, que tem uma vista muito bonita sobre o rio Douro. Tudo acontece debaixo desta realidade de localização muito privilegiada.
No ano passado, em 2024, passaram 11 mil pessoas pela Quinta do Crasto, o que é muito significativo para aquilo que é a nossa realidade enquanto dimensão de propriedade.
Portanto, queremos pegar nesta experiência para fazer um projeto hoteleiro onde garantimos uma experiência completamente distinta com a possibilidade de as pessoas poderem pernoitar e, a partir da Quinta do Crasto, também poderem explorar a região. Temos uma parceria com uma das melhores embarcações fluviais do rio Douro, que é a Pipadouro. Somos sócios desta empresa e queremos projetar os nossos programas numa das embarcações para estes grupos mais exclusivos.
Estamos também a cerca de um quilómetro da estação do Ferrão, onde passa diariamente o comboio que faz a ligação entre o Porto e o Alto Douro Vinhateiro, nomeadamente o Pocinho. Usamos muito esta possibilidade de combinar programas com o barco e com o comboio.
Planeiam também a oferta de pacotes que conjuguem alojamento e atividades?
Absolutamente, é mesmo essa a ideia. Vamos projetar programas de visitas à vinha com provas de vinho, com programas de piquenique, com tours na vinha (quer sejam walking tours ou acompanhadas numa carrinha antiga Bedford ou num Land Rover que recuperámos). Temos uma oferta de programas indoor e outdoor na região, onde queremos projetar estas valências e disponibilizá-las para os visitantes as poderem conhecer.
Temos uma outra propriedade no Douro Superior, que se chama Quinta da Cabreira, com 114 hectares, onde produzimos uvas que fazem alguns dos nossos vinhos. Aqui queremos criar um programa de visita ao Alto Douro Vinhateiro, onde a partir do Crasto explorariam a nossa outra quinta.
“Diria que ficaria muito feliz, E com algum otimismo, mas com mais segurança, se no final de 2029 tivermos este projeto todo consolidado”
Com base na sua experiência, qual é a leitura que faz do mercado de enoturismo?
Sinto que foi um mercado que evoluiu drasticamente nos últimos anos. Nesta lógica do enoturismo, nomeadamente no Douro Vinhateiro, que conheço muitíssimo bem, não tenho a menor dúvida. O que aconteceu nos últimos 10-15 anos foi muito importante porque esta palavra de enoturismo ganhou realmente força no sentido da perceção de qualidade que, hoje em dia, se consegue ter em várias propriedades no Alto Douro Vinhateiro – e não falo apenas da Quinta do Crasto.
Ganhou este lado mais profissional, em que as pessoas conseguem viver nas quintas onde os vinhos são efetivamente feitos e produzidos. Existe uma relação muito interessante da qualidade dos próprios vinhos que a região oferece e a profissionalização da própria visita, da forma como é organizada, da prova dos vinhos. Temos pessoas mais qualificadas e com mais competência para essas apresentações, para a divulgação dos próprios produtos que a quinta produz.
Os clientes e os turistas acabam por usufruir de uma experiência bem mais completa em que, a somar a isso, cresceu-se também na oferta das refeições para oferta de gastronomia dentro destas propriedades. As quintas viram no enoturismo uma oportunidade de se promoverem e de dar uma resposta de maior garantia e de maior qualidade à própria visita.
Quais são os principais desafios ligados ao enoturismo?
Nomeadamente o Alto Douro Vinhateiro continua a ser uma região de nicho. Temos um cliente que vem muito à procura desta experiência vínica e gastronómica. A meu ver, o grande desafio continuará a ser este trabalho conjunto em torno de uma região, que se queira promover enquanto região de uma forma singular e criar infraestruturas e meios para se poder projetar a nível internacional.
Isto numa lógica de um crescimento sustentável, no sentido de tornar, por exemplo, a sazonalidade um pouco mais curta. Em outubro temos uma taxa de ocupação e de visitas muito elevada, mas que depois cai drasticamente – já não tão drasticamente como em anos longínquos. Há 20 anos atrás, quando comecei a minha carreira, a época alta era muito mais sólida do que a época baixa e havia um pico bem mais acentuado que, neste momento, já não se sente tanto.
Mas ainda podemos melhorar esse aspeto, tornando a região mais atrativa e captar mais atenção também para estes meses de inverno, que são meses também incríveis no Douro. Isto continuará a ser um grande desafio porque a esmagadora maioria dos projetos de enoturismo que existem no Douro são projetos pequenos e não massificados. O Douro tem quintas e não herdades com muitos hectares como o Alentejo, por exemplo. Tem a ver com esta projeção para receber uma maior quantidade de pessoas de uma forma homogénea ao longo do ano, sem oscilação.
by TNEWS