Eu nunca cresci na cozinha como quem lhe pertence. A cozinha nunca foi o meu lugar secreto, nunca fui eu a mexer nas panelas, a sentir o ponto certo. Sempre estive de fora — a olhar, a absorver, a guardar.
Sentava-me num canto da cozinha da minha avó, pequena testemunha de um ritual silencioso. O cheiro do refogado a subir preguiçoso pelo ar, o borbulhar do tacho, a farinha espalhada na bancada…não era apenas cozinhar. Era criar vida com as mãos, era poesia que se podia cheirar, tocar, ouvir.
A minha mãe tinha esse dom raro, quase sagrado. Cozinhava sem receitas, sem medidas, guiada apenas pelo instinto, pelo amor, pelo gesto antigo que vinha de dentro.
Eu, em criança inventava pratos imaginários. Um punhado de ervas, um fio de farinha, uma casca de fruta. Na minha cabeça, banquetes para reis. Não sabia cozinhar como elas, mas sentia, com cada fibra do meu corpo, que ali se passava algo de sagrado.
E é esse ritual que me acompanha até hoje. Para mim, a gastronomia, não é apenas cozinhar, é contar histórias, é sentir o caminho de cada ingrediente, é perceber o tempo e o cuidado que se escondem em cada gesto, em cada prato. É fazer "storytelling" através da comida, criando experiências que vão além do que se come.
Mas o mundo tornou-se veloz e descartável. Muitos chegam, tiram uma fotografia e querem uma réplica perfeita do que viram, ignorando o caminho até ali, o aroma que se infiltra na memória, o sabor que conta uma história.
Eu não quero viver assim. Por isso criei o @the_red_postcards, um espaço feito de amor teimoso pela autenticidade e pelo "storytelling" gastronómico para restaurantes. Aqui, não se trata apenas de mostrar pratos bonitos. Cada imagem, cada descrição, cada história é pensada para transmitir a vida por trás do que chega à mesa. São postais vermelhos que guardam histórias, lugares, pessoas, experiências que pedem tempo, alma e atenção, para que cada feição conte uma narrativa única.
Não quero que venham apenas para provar. Quero que vivam. Que fechem os olhos antes da primeira garfada e sintam o aroma. Que deixem que cada prato lhes conte uma história.
Que percebam que cada detalhe, do corte ao tempero, foi pensado para tocar o coração. Eu não cozinho, mas leio a gastronomia como se fosse poesia. A minha missão é simples: que quem venha daqui leve muito mais do que uma refeição, leve uma memória que não cabe numa fotografia, mas que, talvez, caiba num postal vermelho.