O “cavalo de Troia” da gestão de alimentação e bebidas

A base da gestão de alimentação e bebidas inicia-se, entre outros fatores, com a receção de mercadorias, passando pela execução dos standards implementados através das fichas técnicas, culminando no feedback recebido pelos clientes.

Daniela Silvestre

A base da gestão de alimentação e bebidas inicia-se, entre outros fatores, com a receção de mercadorias, passando pela execução dos standards implementados através das fichas técnicas, culminando no feedback recebido pelos clientes. É importante que após o feedback recebido pelos clientes os estabelecimentos de restauração e bebidas (ERB) tomem as devidas medidas em prol da melhoria contínua dos bens e serviços que prestam.

Iremos agora focar-nos essencialmente nas fichas técnicas. As fichas técnicas dizem respeito a um documento interno, elaborado para cada prato do menu em separado (Abranja et al., 2020), assegurando a padronização e a consistência dos pratos que são servidos. É possível distinguir dois tipos de fichas técnicas: as operacionais e as de custos. As fichas técnicas operacionais dizem respeito às receitas e as fichas técnicas de custos (Ribeiro, 2015), incluem o cálculo de indicadores de gestão que permitem conhecer o custo de um prato (preço de custo), o preço a que deve ser colocado o prato na carta (preço de venda ao público), o lucro bruto de cada prato (margem de contribuição), o imposto a ser entregue ao estado pela venda de cada prato (IVA-imposto sobre o valor acrescentado).

Mas afinal o que é o “cavalo de Troia” na gestão de alimentação e bebidas?
A expressão “cavalo de Troia” é utilizada como algo que aparentemente é agradável, mas que tem consequências contrárias. Assim sendo, esta analogia aparece refletida neste texto quando falamos em fichas técnicas de custo. Muitas vezes as fichas técnicas de custos parecem bem construídas, ou seja, estão “aparentemente agradáveis” e bem construídas, mas os gestores dos ERB não entendem porque é que os seus estabelecimentos não estão a gerar a rentabilidade que tanto esperam e que o negócio necessita.

A “consequência contrária” para que chamamos à atenção é o facto do desperdício entre pesos brutos e pesos líquidos (peças limpas) não estar a ser considerado. As frutas e os legumes perdem sempre uma percentagem entre o peso bruto (o que compramos) e o que realmente aproveitamos para incorporar nos pratos. Este facto acontece porque existe descasque das frutas e dos legumes, ou seja, não utilizamos os produtos a 100% conforme o peso a que compramos. Outro exemplo, são as carnes que podem ser compradas por inteiro e desmanchar o animal em partes (teste do cortador), ou compradas às peças, que embora apresentem menos desperdício, existe sempre uma percentagem a considerar. Quanto aos peixes e mariscos, a percentagem de desperdício a considerar é bastante superior pelo facto do peixe se apresentar na sua totalidade, na sua grande maioria, à exceção da compra de filetes. 

Assim, numa ficha técnica o preço de compra de cada um dos ingredientes com desperdício terá de ser superior ao que aparece na fatura, chamando a esse novo indicador de preço líquido de custo. Como forma de facilitar o processo de elaboração das fichas técnicas com a incorporação do desperdício, é possível que se coloque o peso bruto (com desperdício incluído) para o cálculo do preço de custo de cada ingrediente.  
Existem tabelas standard com percentagens médias de desperdício, mas o ideal é cada ERB efetuar a sua própria tabela de desperdício. Para a elaboração de uma tabela de desperdício, é necessário conhecer o peso bruto e o peso líquido, ambos em quilogramas. A diferença entre os dois indicadores anteriores é o desperdício, calculado em quilogramas. É ainda possível o cálculo destes três indicadores em percentagem, sendo que o peso bruto em percentagem corresponde sempre a 100%. 

De notar que existem ainda produtos de 4.ª e 5.ª gama, a saber que os primeiros correspondem a produtos hortícolas frescos lavados e desinfetados, cortados ou não que mantêm as suas características na embalagem onde se encontram. Já os segundos dizem respeito a alimentos pré-cozinhados, quando submetidos a calor dão origem a um prato pronto a servir. Os preços dos produtos de 4.ª e 5.ª gama devem ser comparados com os preços líquidos de custo dos produtos que apresentem desperdício. Os ERB devem ter em atenção o fator mão-de-obra e o seu custo associado, pois os produtos de 4.ª e 5.ª gama requerem menos mão-de-obra que os outros. Quando são conhecidos os preços líquidos de custo dos produtos, a tomada de decisão ao nível da gestão torna-se mais fácil.

Assim, compreendemos o impacto que a não consideração do desperdício nos produtos que incorporam um dado prato pode ter ao nível de fixação de preço de venda ao público. Os preços na carta podem estar mal fixados, o que se traduz na perca de receita e consequentemente lucro para o ERB. De notar que existem sempre uma perda de peso aquando da confeção de certos alimentos. Outra situação a ter em conta é o facto dos preços de compra dos produtos não se manter constante e as fichas técnicas necessitarem de atualização constante, facto que se está a verificar com maior flutuação durante todo o ano de 2023.

Daniela Silvestre

Formadora de gestão de restauração e bebidas naEscola de Hotelaria e Turismo do Algarve (Faro), Doutoranda em Gestão pela Universidade Europeia e Vencedora da Melhor Dissertação pela Ordem dos Economistas do Algarve em 2022

Referências Bibliográficas: 
Abranja, N., Almeida, A. E., & Almeida, M. (2020). Gestão Hoteleira: O produto, o serviço e as técnicas (1.a edição). Lidel - edições técnicas.
Ribeiro, J. (2015). A Gestão na Restauração—Práticas de F&B (1.ª edição.). Ex-libris.