“Admirável mundo novo”

Após uma pandemia em que o sector revelou toda a sua capacidade de resistência, a indústria hoteleira recuperou significativamente mais rápido do que as melhores previsões, apesar de uma guerra na Europa, uma crise energética, uma inflação galopante e uma rápida subida das taxas de juro.

Bruno Santos

Após uma pandemia em que o sector revelou toda a sua capacidade de resistência, a indústria hoteleira recuperou significativamente mais rápido do que as melhores previsões, apesar de uma guerra na Europa, uma crise energética, uma inflação galopante e uma rápida subida das taxas de juro.

Estes últimos acontecimentos deveriam ser suficientes para colocar todo um setor em estado de alerta. No entanto, 2022 bateu recordes, crescendo 16,5% face a 2019 em proveitos totais (de acordo com os dados preliminares do INE) e as perspetivas para 2023 são animadoras, com a recuperação do mercado internacional, tão importante para o turismo nacional e para a balança de pagamentos.

O destino Portugal está na moda, as grandes cadeias hoteleiras internacionais olham de forma muito séria para as oportunidades de investimento que o país oferece, alicerçados na imagem de um país seguros, com bons sistemas de saúde, de gentes afáveis e hospitaleiras. E apesar de tudo, barato para a maioria dos fundos de investimento. 

Mas o mundo (e o setor) mudou. As novas gerações têm hoje necessidades e ambições diferentes das que os seus pais e avós tinham. Se em bom rigor estes choques geracionais sempre existiram, a pandemia COVID-19 e a crescente velocidade dos desenvolvimentos tecnológicos trouxeram uma rutura substancialmente maior, numa sociedade influenciada pelo que parece ser, não pelo que realmente é. É tudo efémero, vertiginoso, superficial, movido por “clickbaits”, “Likes” e “clicks”.

Estas alterações criam sérios desafios à hotelaria, como a mais grave falta de recursos humanos que tenho memória, não porque não existam, mas porque a hotelaria perdeu a sua atratividade. 

Os propalados baixos salários, as características das jornadas de trabalho, as limitações e atrasos nas emissões de vistos de trabalho e uma política fiscal restritiva no que concerne aos rendimentos do trabalho, agudizam este desinteresse no sector, em particular nas gerações mais novas. 

Passámos de um tempo em que íamos a feiras “seduzir” clientes, para um tempo em que vamos a feiras “seduzir” colaboradores. Os giveaways do passado para agências de viagem e operadores turísticos, são hoje encaminhados para conquistar colaboradores. As feiras de recrutamento multiplicam-se ao ritmo a que os organizadores de prémios e galardões se multiplicaram, não há muito tempo atrás. As cadeias e unidades de maior dimensão, desdobram-se em OpenDays e em anúncios de centenas e milhares de vagas, promovendo benefícios e regalias, muitas vezes de conteúdo estrategicamente comunicado. 

Estamos a contribuir para a criação de uma geração de mercenários, cuja legitimidade não pode ser colocada em causa, mas cujas consequências são imprevisíveis. 

O cerne da questão, e que gostaria de destacar, é que vivemos desafios sem precedentes e sem uma solução à vista. 

É aqui que pode entrar a tecnologia. A pandemia de COVID-19 obrigou os hoteleiros a trazer tímidos avanços tecnológicos ao sector. No entanto, o sector hoteleiro, está ainda longe, muito longe, do potencial que tem neste capítulo.

O potencial de integração do brutal volume de dados gerados, antes, durante e após a estadia do hóspede, tantas vezes dispersos em diferentes sistemas, conjugado com os mais recentes desenvolvimentos da IA preditiva e generativa, revolucionarão a forma como trabalhamos. O potencial do ChatGPT, Dall-E, Jasper, entre tantos outros que só agora, timidamente, se fazem ouvir em Portugal, é simultaneamente fantástico e assustador. A revolução já está em marcha, e enquanto escrevo estas palavras, universidades, tecnológicas, governos ou meros cidadãos comuns, exploram o potencial destes modelos (dois meses após o seu lançamento, o ChatGPT atingiu os 100 Milhões de utilizadores). Aos que nunca o utilizaram, recomendo vivamente que o façam. 

Voltando à relação com a hotelaria, a significativa automatização de processos que a IA e a IOT trará, permitirá níveis de eficiência ímpares não só a grandes players, mas a qualquer operador de menor dimensão. Isto trará, inevitavelmente, como em todas as revoluções anteriores, uma redução substancial nas necessidades de pessoal, pelo que invariavelmente, a grande maioria dos hoteleiros caminhará neste sentido.

Significa isto o fim do fator humano em hotelaria? De modo algum. Acredito que a hotelaria evoluirá para dois grandes ramos. Um assente em maior tecnologia e automatização, a um preço mais competitivo. Hiperpersonalizada por via da tecnologia, será eficiente, consistente, fria e pragmática. 

Outra a um preço elevado, assente em verdadeiro serviço ao hóspede, numa hiperpersonalização humana, em que as pessoas serão o fator diferenciador, o meio.

Confortavelmente remuneradas, motivadas, treinadas e educadas para um serviço premium, as equipas destes hotéis conduzirão os seus hóspedes a experiências emocionais, relacionais, humanas.

Bruno Santos

Group Director of Finance, Água Hotels Spa & Resorts