Portugal orgulha-se, e bem, de ser um dos destinos turísticos mais procurados da Europa. Só em setembro de 2024, registaram-se 8,4 milhões de dormidas, um crescimento de 2,4% face ao mesmo mês do ano anterior, segundo o INE. São números que impressionam, números que sustentam uma parte vital do nosso PIB. Mas atrás deles está uma realidade menos visível: mais de 317 mil profissionais que dão corpo, alma e emoção a cada experiência turística.
E é precisamente aqui que reside a nossa maior fragilidade: a rotatividade alarmante de colaboradores (turnover), que mina silenciosamente os alicerces do setor.
Segundo a Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), no Algarve e na Madeira a rotatividade chega aos 40% anuais. Este número não é apenas estatístico. É sinónimo de instabilidade, de custos acrescidos e de uma qualidade de serviço que inevitavelmente sofre. Um setor que se quer de excelência não pode viver em permanente renovação de equipas.
Porque estamos a perder pessoas?
As razões são claras – e preocupantes:
- Sazonalidade extrema: no Algarve, 70% das contratações são temporárias, alimentando insegurança e precariedade.
- Ausência de progressão de carreira: apenas 27% das unidades hoteleiras investem em planos estruturados de formação, segundo o Turismo de Portugal.
- Concorrência de outros setores: tecnologia, comércio e logística oferecem melhores condições, horários regulares e perspetivas de crescimento.
Cada saída custa às empresas entre 3.000 e 5.000 euros. Mas o verdadeiro preço não está nas contas. Está nas equipas desfalcadas, nos clientes que não regressam, nas marcas que perdem reputação.
O lado humano que raramente se vê
Por detrás destes números estão pessoas. Jovens que entram no setor com entusiasmo e saem desiludidos meses depois. Profissionais experientes que, após anos de dedicação, se veem obrigados a procurar estabilidade noutros setores.
Falar de turnover é falar de vidas em constante incerteza. É admitir que um setor que gera milhões em receitas ainda não aprendeu a cuidar de quem o sustenta.
Um setor à beira da encruzilhada
O problema é estrutural, mas a solução está ao nosso alcance. O setor hoteleiro tem hoje uma oportunidade histórica de se reinventar.
- Melhorar as condições laborais – salários justos, horários equilibrados, benefícios como alojamento para deslocados.
- Investir na formação e carreira – percursos de progressão reais e estruturados.
- Reduzir a dependência da sazonalidade – diversificar a oferta turística ao longo do ano e criar contratos mais estáveis.
- Valorizar as equipas – promover uma cultura de reconhecimento e respeito.
- Apostar na inovação tecnológica – libertar os colaboradores de tarefas repetitivas, dando-lhes mais tempo para o que realmente importa: cuidar das pessoas.
Já há quem mostre o caminho
Alguns grupos nacionais já perceberam a urgência. Apostaram em planos de formação contínua, benefícios diferenciadores e políticas de retenção sólidas. O resultado é visível: equipas mais estáveis, colaboradores mais motivados e, acima de tudo, clientes mais satisfeitos.
Estes exemplos provam que o investimento nas pessoas não é um custo – é a melhor estratégia de crescimento sustentável.
Conclusão: o futuro joga-se agora
Portugal quer continuar a afirmar-se como destino turístico de excelência mundial. Mas esse objetivo será inalcançável se continuarmos a perder quem está na linha da frente.
Hotéis podem ter paredes luxuosas, vistas deslumbrantes ou piscinas infinitas. Mas sem colaboradores motivados, tudo isso perde valor.
O futuro do turismo português – e, em boa verdade, do turismo global – joga-se na capacidade de colocar as pessoas no centro da estratégia. Porque sem elas, não há hospitalidade. E sem hospitalidade, não há turismo.