O ciclo virtuoso de partilha da felicidade.

A indústria hoteleira e do turismo é uma indústria de pessoas para pessoas. Este "chavão", muitas vezes repetido, define muito bem o dia a dia das empresas e para que estas tenham um sucesso sustentável ao longo do tempo, estas "pessoas" deveriam retirar destas interações o maior valor acrescentado possível.

Duarte Gonçalves da Cunha

A indústria hoteleira e do turismo é uma indústria de pessoas para pessoas. Este "chavão", muitas vezes repetido, define muito bem o dia a dia das empresas e para que estas tenham um sucesso sustentável ao longo do tempo, estas "pessoas" deveriam retirar destas interações o maior valor acrescentado possível. Tendo isto em mente, existem muitas vezes interesses que podem entrar em conflito em algum momento da vida das empresas quando não existe um proposito claro e comum.

Para tentar explorar este tema vou dividir os intervenientes numa empresa hoteleira em 3 grandes grupos: as Operações, o Cliente, o Proprietário e introduzir um conceito de Ciclo Virtuoso Infinito entre estas 3 arestas de um triângulo com o conceito de felicidade no meio, e como uma ideia tão simples como "fazer felizes os outros" pode ser aplicado neste ecossistema e ser o fio condutor para um sucesso sustentável ao longo do tempo. Parece facil, certo? As ideias mais simples são por vezes as mais desafiantes de implementar. Como é que esta abordagem contribui para o sucesso a medio e longo prazo?

O ato de servir os outros ou fazer felizes os outros, quando visto como uma missão nobre, proporciona um sentido de propósito e realização pessoal com impactos profundos nas organizações.

Quando as pessoas se envolvem em atividades que promovem a felicidade e interações sociais positivas, como fazer os outros felizes, pode potencialmente levar à liberação de oxitocina – a hormona do amor. O fortalecimento de vínculos sociais, redução de stress, melhoria no humor e um comportamento altruísta são apenas algumas das formas como servir os outros liberta esta hormona e quanto mais abundante for essa hormona na corrente sanguínea, maior é a probabilidade de a pessoa manifestar empatia, generosidade, cuidado e um compromisso com o bem-estar daqueles que são próximos e com quem estabeleceu vínculos. A empatia inerente ao serviço não apenas enriquece as experiências dos clientes, mas também contribui para a construção de uma comunidade profissional mais saudável e resiliente, que em momentos de crise responde a decisões difíceis com compromisso e sentimento de pertença.

Will Guidara, no seu livro "Unreasonable Hospitality", destaca a nobreza inerente ao ato de servir os outros que, consequentemente, proporciona um sentido de propósito e realização pessoal, conceito também muito explorado por Adam Grant e Simon Sinek em várias das suas publicações. Esta abordagem não é apenas teórica, mas tem uma base científica que ajuda a compreender esta relação como expliquei no paragrafo anterior.

Este é, na minha opinião, um ponto chave no momento de encarar um dos grandes desafios da indústria nos dias que correm – o recrutamento e retenção. 

Equipas felizes tendem a estar mais comprometidas, menos propensas ao absenteísmo e mais inclinadas a colaborar de forma eficaz. Isso traduz-se diretamente em operações mais eficiente e menos custos operacionais, assim como a redução de custos associados à rotatividade de colaboradores e, crucialmente, num melhor atendimento ao cliente que, por sua vez, se traduz em melhores vendas por cada interação.

A atmosfera positiva gerada por uma equipa motivada, guiada pela nobreza de servir, reflete-se diretamente na experiência do cliente. No entanto, a responsabilidade de proporcionar uma experiência memorável também recai sobre os proprietários, que desempenham um papel fundamental no investimento em melhorias nas instalações. Proprietários visionários (independentemente das suas estruturas acionistas) compreendem que a infraestrutura física desempenha um papel vital na criação de um ambiente acolhedor e agradável para os hóspedes. Desde quartos bem equipados até áreas comuns atrativas, cada detalhe contribui para a satisfação do cliente. Investir em atualizações, decoração e instalações não apenas eleva a qualidade percebida, mas também influencia diretamente na experiência positiva de cada hóspede e motiva as equipas.

Um princípio chave para entender este ciclo virtuoso é a perceber que um cliente feliz gasta mais! Hóspedes satisfeitos não apenas regressam, mas também tendem a explorar serviços adicionais, F&B, SPA, Experiências, Retail entre outros; sem falar no facto de que se tornam embaixadores da marca (Malcom Gladwell no seu livro "A chave do sucesso" explora de uma forma muito analítica o conhecido "boca a boca" e aponta vários exemplos práticos em que um potencial cliente é muito mais propenso a comprar após uma sugestão de um amigo ou familiar do que um anúncio ou promoção)! 

Aqui é quando o 3º vertice do triangulo faz feliz os outros dois. Ao gastar mais e regressar, as operações são mais rentaveis e temos empresas com melhores margens e com a possibilidade de redistribuir estes beneficios financeiros ás equipas, os clientes ao criarem estes ambientes ricos em oxitocina contribuem também para a realização pessoal das equipas. 

Ao longo dos últimos 10 anos, liderei equipas em várias unidades hoteleiras com posicionamentos distintos e diferenças culturais assinaláveis. Quando adotámos esta abordagem com as equipas (algumas vezes de uma forma muito organica e não propositada), assistimos a crescimentos de “bottom line” chegarem até aos 3 dígitos percentuais quando atingimos o "tipping point" desta mensagem (num dos casos, o crescimento de EBITDA do ano 0 comparado com o ano 4 cresceu acima dos 1000%).

Além dos benefícios financeiros, esta abordagem pode e deve ter um impacto mais abrangente na sociedade, sobretudo quando falamos do tema da saúde mental.

Com milhões de pessoas empregadas na indústria hoteleira e um número ainda maior de viajantes que experienciam o serviço, a hotelaria possui um potencial único para abordar o tema da saúde mental. Ao adotar práticas centradas na felicidade e na nobreza de servir, os hotéis podem (e devem) tornar-se agentes de mudança positiva, influenciando a saúde mental tanto dos seus colaboradores como dos seus hóspedes.

Em jeito de conclusão, a jornada em direção à felicidade e ao serviço nobre não tem um fim, mas é uma busca constante pela melhoria. Num “mindset” de ciclo infinito, onde o objetivo não é ganhar, mas melhorar constantemente, esta abordagem não apenas enriquece as operações hoteleiras, mas também constitui uma estratégia holística para o sucesso a medio e longo prazo. 

A nossa industria têm condições unicas para criar ambientes acolhedores, num ciclo virtuoso que beneficia clientes, equipas e proprietários; um espaço em que a nobreza de servir os outros contribua não apenas o sucesso comercial e financeiro, mas também a evolução positiva da vida de todos, não apenas transformando as vidas daqueles que toca, mas também cria uma indústria mais resiliente, colaborativa e humanizada

A felicidade não é um destino, mas uma jornada infinita que tem o poder de transformar positivamente a trajetória de uma empresa e a vida das pessoas.