“Para teres um destino turístico não basta colocares uma rede entre dois coqueiros!”, argumentava eu em amena cavaqueira com uns amigos de Vale de Cambra. Vale de Cambra, São João da Madeira e Oliveira de Azeméis, cidades próximas, numa das regiões mais industriais do país. “A indústria hoteleira é, sem dúvida, uma das indústrias mais competitivas e exigentes” – insistia. Eles ignoravam-me, metalomecânica, moldes, móveis, calçado, se não envolvesse macacão e capacete, ou outros equipamentos de proteção, não era indústria. Desisti.
Ao deitarmo-nos numa prazerosa cama de hotel, ignoramos a ínfima quantidade de detalhes e cuidados que foram assegurados para termos essa experiência única e dificilmente replicável em nossas casas. Colchão de excelente qualidade, sobrecolchão, lençóis do melhor algodão, impecavelmente engomados, esticados e perfumados, edredom de penas, almofadas irrepreensivelmente dispostas, toda uma harmonia de cores e texturas, num ambiente envolvente estudado ao pormenor. Efetivamente, à volta de uma unidade hoteleira, desde a sua conceção, construção e equipamento, continuando pela sua exploração e manutenção, gravita uma enorme comunidade de profissionais, altamente especializados, de variadíssimas áreas. Não damos por eles, nem é suposto, mas eles estão lá, nos bastidores, focados em garantir o nosso conforto e bem-estar.
Os industriais de vários sectores assistem ao estertor da economia linear: mais negócio implica mais consumo de recursos e maior produção de resíduos. Acontece que a necessária disponibilidade dos materiais e a sua capacidade de regeneração estão a atingir os seus limites um pouco por todo o mundo, assim como a capacidade de gestão dos resíduos e poluentes gerados. É urgente repensar o nosso percurso. A indústria hoteleira tem a particularidade de, além de consumir recursos materiais e energéticos, como qualquer outra indústria, gerar pressão e impacte nos recursos do próprio destino, no seu património natural, material e cultural. Se esses recursos forem degradados é o fim do destino, é o fim da indústria. A sua valorização, proteção e regeneração nem é sequer uma opção, é uma necessidade absoluta.
E é possivelmente por essa razão que os hoteleiros estão entre os empresários que melhor compreendem e mais se comprometem voluntariamente com a responsabilidade ambiental e social. A saúde e viabilidade da sua unidade e comunidade de profissionais está intimamente dependente da saúde e vitalidade da comunidade e região onde se inserem. Evidentemente que esse compromisso com o presente, que mais não é do que o viabilizar do futuro, exige entrega, esforço e investimento. Não basta usar papel reciclado na receção ou ter disponível sumos “bio” ao pequeno almoço para que o hotel seja sustentável. O greenwashing é facilmente identificado e repudiado.
Todo este movimento global da procura da sustentabilidade, responsabilidade social e ambiental, a própria economia circular, vem acompanhado com robustos mecanismos de verificação e certificação. O Green Key, progressivamente mais exigente, é um exemplo, e a adesão massiva das unidades hoteleiras na ilha da Madeira é representativa.
O próprio destino Madeira está neste momento a passar por um processo de certificação do seu desempenho ambiental. Só assim, com mecanismos de certificação, é possível premiar as mudanças reais dos paradigmas organizacionais face a medidas de fachada. O escrutínio começa nos mercados emissores. Começando pelos meios de transporte. Os aeroportos e portos de destino já estão preparados para reabastecer com combustíveis renováveis ou hipocarbónicos? O destino adota boas práticas ambientais? Os clientes valorizam as unidades que têm preocupações na gestão da água, na energia, na mobilidade, na partilha de recursos e equipamentos, na produção local.
É óbvio que a atividade turística, que implica, por definição, a deslocação de pessoas, ávidas de experiências, para um local diferente da sua residência habitual, tem uma pegada considerável, em termos de emissão de carbono, consumo de recursos e carga poluente. Aceitando essa realidade, importa repensar o modelo de negócio para integrar práticas mais circulares, não apenas na perspetiva de cumprir com obrigações legais, mas, sobretudo, como uma oportunidade para a sustentabilidade e resiliência do negócio. Há efetivamente oportunidades e mais-valias na melhoria do desempenho ambiental: apoios ao investimento, redução de consumos de energia, água e recursos, redução do desperdício alimentar, eco design, e, naturalmente, fator diferenciador e competitivo na hora da escolha pelo cliente.
Há inúmeras publicações, handbooks, que orientam para a mudança de paradigma organizacional e para a adoção de modelos de economia circular. Recomendo desde logo uma olhadela nos guias de boas práticas e workshops para o sector do turismo disponíveis no nosso sítio https://madeiracircular.pt/. Outra iniciativa que recomendo é a “The Global Tourism Plastics Initiative”, lançada em 2020 pelo programa ambiental das Nações Unidas e pela Organização Mundial de Turismo, em colaboração com a Ellen MacArthur Foundation.
Votos de melhores práticas, por um melhor destino, porque não há outro caminho. Contem connosco.