O TERROIR

Quando começamos a conhecer melhor e de mais perto este mundo dos vinhos, ele pode acabar por nos apaixonar e levar-nos a querer conhecer mais, experimentar mais e, no fundo, a envolvermo-nos nele de uma forma única. É esse o grande desafio dos vinhos.

Pedro Pinto

O TERROIR

Quando começamos a conhecer melhor e de mais perto este mundo dos vinhos, ele pode acabar por nos apaixonar e levar-nos a querer conhecer mais, experimentar mais e, no fundo, a envolvermo-nos nele de uma forma única. É esse o grande desafio dos vinhos.

Mas o que é que isto tem especificamente a ver com a hotelaria, os colaboradores e o produto hoteleiro em si? Muito, tanto que talvez venha a escrever um pequeno manual de ideias, o Terroir.

Comecemos por 5 características que são comuns e essenciais ao Terroir, desculpem-me os puristas que irão identificar mais não sei quantas!

1. O CLIMA, em termos das condições meteorológicas, que influencia o nosso dia a dia nas mais pequenas coisas como a escolha da roupa, a disposição, a disponibilidade e até de local de férias, ou simplesmente, onde degustar uma refeição. Este fator é um dos nossos principais aliados na procura do próximo local de férias, de descanso ou até mesmo de trabalho. Continuo a pensar como foram espetaculares aquelas férias na Sicília, antes da pandemia, cuja escolha recaiu por causa daquele calor, da história e de uns valorosos Cannoli. 
O clima não é só a meteorologia. É também um dos principais motores do desenvolvimento das condições favoráveis ao desenvolvimento da videira, o que neste caso poderemos considerar que é o nosso negócio. Quantas vezes uma expectativa meteorológica melhor, não influencia a escolha daquele destino para um inesperado city break romântico? Apesar de tudo, a resiliência da planta em si demonstra que ela se adapta aos climas de uma forma que deveria ser inspiradora para nós. No fundo, o foco será o resultado final do fruto, independentemente das condições adversas ou até mesmo potenciadoras, a criação de produtos inovadores nas nossas unidades que respondam às expectativas dos clientes, como atividades desportivas, sociais e culturais.

2.O SOLO. Como se consegue reter todo este talento que por ter sido tão abundante nos últimos anos nos permitia trocar de pessoas, como se tudo fosse “normal”, e permitia às pessoas escolher o local de trabalho na ânsia da mudança? Hoje, com tudo o que se passa à nossa volta no mercado de trabalho e em nossas casas, pergunto-me a mim mesmo o que é feito de todos aqueles planos de carreira e de formação. Pergunto mesmo se o que se dizia em entrevistas sobre o trabalho remoto, há cerca de 1 ano, se mantém ou se teimosamente voltaram ao antigo “normal”. Que fácil foi falar naquela altura à distância do tempo, por norma somos uma indústria que adota novas tendências de gestão de recursos humanos, de uma forma assustadoramente rápida, mas cujo resultado final tem pouca alteração ao que já fazíamos no passado. 
O solo, permitam-me aqui a insistência, é parte fundamental para a definição mais profunda do que são os nossos colaboradores e de que forma eles representam o nosso propósito como empresa e como líderes. Um solo demasiado arenoso não permite reter tão bem a água, e se levarmos em conta um solo mas argiloso, que muitas vezes leva a uma maior retenção da água, prejudicando os colaboradores, aqui ardilosamente conotados com a planta com excesso de nutrientes (que o diga a minha Monstera Deliciosa cá de casa). Estamos a esquecer-nos rapidamente de onde viemos e o que passámos. O que estamos a fazer para a mudança e para fortalecer as nossas empresas? Estaremos atentos realmente à mudança social a que as nossas equipas estão sujeitas? Como poderemos enquadrar as expectativas dos nossos em relação ao trabalho, à família e às condições financeiras? 

3. A TOPOGRAFIA. Este é um fator mais complicado de relacionar connosco, com a hotelaria, mas que, pensando melhor, poderá ter muito a ver com as carreiras e as diferentes formas como as pessoas percecionam tudo isto. Reparem no descontrolo baseado na rapidez e não na qualidade da aprendizagem, horas de formação teórica e sintetizada ao limite, tudo em versão online, alavancado no acesso rápido à informação e em certificados que na aplicação real, de pouco servem se o “terreno” onde se aplicam, não mudou ou não o querem deixar mudar. Os altos e baixos das nossas carreiras, tal como no terreno, é o que nos ajuda a definir o que realmente interessa para nós, mas a empresa tem de ajudar na definição do que realmente conta para a mudança interna dos processos ou das estratégias. A exposição aos elementos de uma forma geográfica e, portanto, difícil de alterar, tem como principal ator o Sol.
Nem todos podemos ter uma carreira, até porque não existem carreiras que cheguem para todos, mas isso não significa que os melhores ou os que tiveram acesso à melhor topografia possam ser sempre os beneficiados. Talvez este fator da topografia nos pareça o menos controlável, mas é um dos que mais visíveis na nossa área e na geração que está agora a dar os primeiros passos. Descer e subir montanhas, estar à mercê do relevo é algo que (e perdoem-me as outras regiões vitivinícolas do nosso país) se sente mais enfaticamente no Douro, região marcante pela sua austeridade e verticalidade. Lembro-me de uma visita há cerca de um ano: o dramatismo da paisagem e a extraordinária experiência do silêncio em pleno Douro Internacional! Ouvir o silêncio, por vezes, é algo que nunca nos passou pela cabeça, apesar destes últimos 18 meses terem sido muito marcados por ele.

4.AS PRÁTICAS CULTURAIS! Aqui está mais um ponto de contacto connosco e a nossa indústria. As culturas diferem de região para região, de país para país, de continente para continente, não será também isto que sentimos, tantas vezes, não só na multiplicidade cultural que temos nas nossas unidades, mas também por tantos outros pormenores que tornam as nossas equipas únicas, desafiantes e poderosas? Podemos utilizar técnicas como a poda, a escolha de castas, o compasso (distância entre cada videira), e todas, à sua maneira, alteram o resultado final, criando ou destruindo um sonho que demora um ano entre cada colheita e que se pode perpetuar como bom ou mau durante mais do que uma vida. Este fator tem também, em si, práticas milenares que têm a ver com a orientação da vinha, a decisão de a levar ao passo seguinte, mesmo que isso implique podar algo que naquele momento até parecia, pelo conforto visual, estar a correr bem. A planta em si precisa de bases fortes, criadas e nutridas por uma cultura empresarial forte, clara e que potencie o seu crescimento por muitos anos, e não só para aquele momento específico. Reparem no nosso vinho verde, único no mundo (e um dos preferidos cá de casa), olhemos para a especificidade da sua colheira, marcada por uma cultura específica daquela região, com um tempo de vindima que roça o improvável e que difere de outras tradições e hábitos ligados ao vinho.

5.O SER HUMANO. Poderíamos falar nas nossas equipas, das pessoas, dos clientes, dos convidados, dos patrões, dos investidores. A inquestionável importância das pessoas. Poderíamos estar aqui a falar do que nos marca mais quando adquirimos um serviço, quando experimentamos algo que não esperávamos, ou que, pelo menos, não esperávamos dessa maneira. O que é mais importante? Por vezes, a falta do que não tivemos é mais angustiante do que a experiência menos boa de um produto. Lembro-me uma vez num Shangri-la em Paris, a falha imperdoável de adormecer e não experimentar o pequeno almoço! 

Este último fator é o que possivelmente, diria eu, liga tudo isto, que cose esta chita de Alcobaça e a transforma numa peça única, que nos faz sentir diferentes e bem acolhidos nesta família e, de certo modo, fora do padrão tipificado dos produtos em que a estandardização é a chave para não correr mal. Mal de nós se tudo fosse igual, na forma e na experiência. Ganhariam sempre os mesmos destinos, os mesmos produtos, no fundo as mesmas rotinas. É por isso que temos de acreditar neste momento, mais do que nunca, que nos devemos apoiar uns aos outros, independentemente do que se passou, e da nossa perceção sobre o que se irá passar de novo.

O Terroir altera tudo, a mesma casta muda de nome, de sabor, de intensidade e, por vezes, até de cor. Tudo isto ocorre em tantos sítios diferentes! A todas as horas e dias ocorre tudo isto sem controlo aparente, a não ser a própria natureza das coisas. Podemos ajudar nos processos, nas nossas empresas, poderemos, inclusive, ajudar os nossos colaboradores, mas o Terroir é isso mesmo: os fatores incontroláveis que a vida nos oferece e dos quais, nós temos de acreditar que poderemos tirar o melhor proveito, usando o nosso conhecimento e experiência e, porque não, o amor à causa. Um dia quando escrever esse manual que vos falei no início, chamar-lhe-ia o Manual do Pirilampo, por tudo aquilo que ele representa para mim como profissional e na minha vida.

Sejamos nós próprios os cuidadores das nossas vinhas, e encontremos nelas as nossas alegrias e as dos outros também.

Pedro Pinto

Diretor Geral do Corpo Santo Hotel