Tendências na Hotelaria e Viagens

É facto provado que todos conseguimos valorizar muito mais algo de que gostamos quando deixamos de o ter acessível.

Susana Querido de Figueiredo

Tendências na Hotelaria e Viagens

É facto provado que todos conseguimos valorizar muito mais algo de que gostamos quando deixamos de o ter acessível. Quem poderá dizer que não sente falta da liberdade que tínhamos a todos os níveis e que agora vemos quase como um sonho que tivemos e que parece tão longínquo? A possibilidade de viajar e sair da rotina passou a ser muito mais valorizada pelo simples facto de que deixámos de o poder fazer.  A vontade de viajar cresceu exponencialmente com a impossibilidade de o fazer e assim que seja possível vai concretizar-se. Considerando este facto e uma vez que mudanças no paradigma dos produtos procurados são também elas uma certeza, o que se perspetiva nas tendências a curto prazo?

Uso cada vez mais valorizado de espaços ao ar livre

O facto de termos ficado todos mais limitados ao nosso espaço habitual despertou uma valorização dos espaços ao ar livre, não só pela sensação de segurança que nos oferece relativamente aos espaços com maior presença humana, como também pela reconexão com a natureza. Será cada vez mais uma necessidade e requisito a procura de uma mesa numa esplanada, um quarto com varanda ou terraço, uma reunião em open space. Os hoteleiros têm de olhar para os seus espaços e pensar na melhor forma de os aproveitar indo ao encontro desta tendência.

Procura de espaços para praticar atividade física

São vários os fatores que levaram a um incremento na prática de exercício físico. O simples motivo de estarmos confinados a espaços interiores e com pouca possibilidade de movimentação fizeram com que a necessidade de prática de atividades físicas tenha sofrido um enorme aumento. São várias as opções que se nos apresentam: caminhadas, passeios de bicicleta, corrida, desportos náuticos, aulas de ioga ou pilates ao ar livre, ... Cabe aos hotéis saber promover os espaços que têm próximos de si ou no seu próprio espaço para darem resposta a esta necessidade do consumidor.

Sustentabilidade na forma de viajar

Tendência desde há muito real, mas que terá cada vez mais impacto no período pós-pandemia. A limitação nas deslocações implicou de forma forçada muitas restrições a nível pessoal que despertaram no consumidor um despertar de consciência relativamente ao nosso impacto no mundo e ambiente. Cada vez mais o hóspede irá valorizar medidas reais de sustentabilidade na hotelaria. Já há muito que um aviso a convidar à reutilização de toalhas está completamente ultrapassado. Os hóspedes estão atentos a aspetos como a utilização de plástico de forma massiva, economia na utilização de eletricidade, utilização excessiva de papel, desperdício alimentar,… Os hoteleiros que não investirem nesta área e numa relação saudável com a comunidade envolvente, cuidando dela, valorizando-a e promovendo emprego, irão perder muito.

A experiência local

A par da crescente consciência com fatores ambientais crescerá cada vez mais o consumo de bem locais e de qualidade que nos permitem viver a experiência local de forma mais autêntica. Aqui surge uma oportunidade de disponibilizarmos produtos não massificados e desenvolvermos a economia local. Portugal tem muito o que explorar num território tão rico em diversidade geográfica, riqueza gastronómica, paisagística e monumental com muita matéria prima subaproveitada. O turista não quer ficar isolado da comunidade local, quer ser participante ativo. Participar em experiências culinárias, manufatura de artesanato, em festividades locais e saber mais sobre todas elas. Muitas pessoas gostam de aproveitar o tempo de férias para sair da rotina e experimentar atividades que não fazem no seu dia a dia. Cabe aos profissionais do sector averiguar o que de mais interessante têm nas suas redondezas e saber tirar partido disso mesmo.

Alimentação saudável, orgânica e local

Em tempos idos quando o hóspede pensava em férias considerava que este era um período para deixar de lado a preocupação com a alimentação saudável ou dieta. Este era exatamente o momento para fazer uma pausa e aproveitar aquilo a que se restringia no dia a dia. Hoje os conceitos de saudável e prazeroso não são antónimos. O hóspede espera que as refeições sejam simultaneamente saudáveis e saborosas. Elaboradas com ingredientes de alta qualidade e de preferência locais para fazerem parte acrescida da experiência local. O movimento de alimentação orgânica também tem vindo a ganhar um peso cada vez maior na mente do consumidor. As ementas disponibilizadas são cada vez mais variadas incluindo opções de dietas especificas.

Valorização do social e contacto real

Todo este tempo sob restrições pesadas e necessárias tiveram um impacto fortíssimo sobre a interação social. Há uma perceção elevada da falta que nos faz o contacto e convívio com o outro, que não seja nosso familiar mais próximo ou colega de trabalho. Nas viagens temos essa possibilidade facilitada pelo facto de estarmos num momento de descanso e disponibilidade para socializar, conhecendo quem tem experiências muito diversas das nossas.

Empowerment das equipas

O peso que a interação social tem na experiência do hóspede e consequentemente na taxa de retorno aos estabelecimentos coloca grande parte dos resultados no desempenho e entrega da equipa. O colaborador deve ser mais que nunca incentivado não apenas atingir as expetativas do hóspede, mas sempre, e cada vez mais, a superá-las. Competências de relacionamento interpessoal, capacidade de comunicação, empatia, boa leitura de linguagem não verbal, são pontos fulcrais que se devem desenvolver e incentivar nas equipas, promovendo o seu fortalecimento. Colaboradores passivos e sem capacidade de decisão devido a uma hierarquia que não lhes permite colocar em prática a sua capacidade de decisão são modelos ultrapassados e que não obtêm os resultados pretendidos.

Crescimento exponencial no uso de tecnologia

Reuniões por zoom, google meet, whatsapp, webex, teams passaram a fazer parte do nosso quotidiano. Assim como check-ins on line, pagamentos contactless, tours através de realidade virtual, mecanismos de reconhecimento facial, esclarecimento de dúvidas através de chatbots, serviços de concierge ou room service via aplicações. A tecnologia já estava muito presente, mas a sua utilização foi alargada a um ritmo exponencialmente mais rápido devido à pandemia. O investimento tem um peso elevado nos orçamentos empresariais, mas sem ele os que não apostarem ficarão para trás nesta corrida pela atualização.

Conteúdos visuais partilhados por hóspedes

O incremento da utilização das redes sociais permite a cada um transmitir a sua versão da realidade. Quando o hóspede recebe um cocktail ou prato de comida com visual cuidado e atrativo o mais provável é que passados alguns segundos já tenha partilhado fotografias nas redes sociais. O mesmo quando entra no seu quarto e fica agradado com o que vê ou quando se depara com um elemento de decoração original em alguma zona do hotel que lhe permita tirar uma fotografia e partilhá-la. Já são vários os estabelecimentos que elaboram locais com esse mesmo objetivo, colocando inclusive mensagens que incentivam a essa partilha.

Encontrar o equilíbrio entre menos contato, mas mais foco no lado humano

A indústria da hospitalidade sempre se focou no relacionamento com o outro. Como manter o equilíbrio numa realidade que tem vindo a privilegiar as tecnologias contacless? Um sem número de opções que visam reforçar a confiança do consumidor entram no quotidiano de hotéis, companhias de aviação e restaurantes. Como manter o equilíbrio não excluindo a interação humana? Disponibilizando a vivência de experiências inesquecíveis e envolvendo o visitante com a comunidade local e connosco próprios. Focando-nos no essencial, a satisfação do consumidor, dando-lhe a viver o melhor de cada um de nós enquanto prestadores de serviços de qualidade. Sejamos gentis uns com os outros, simplesmente tratando o nosso hóspede como gostamos de ser tratados. Haverá uma maior valorização do lado humano nos serviços e nas relações pessoais entre locais e visitantes.

Crescimento no segmento de lazer versus o corporate

O facto de o teletrabalho ser obrigatório quando possível teve um enorme impacto nos números do segmento corporate. Igualmente o MICE sofreu um corte imenso pela impossibilidade de reunir devido ao distanciamento social. Estes dois fatores levaram a um redireccionamento do consumo, aumentando os números do turismo de lazer. A necessidade de viajar foi transferida para a única forma possível de o fazer atualmente.

Personalização no serviço ao cliente

Considerando que o hóspede se desloca agora com o objetivo de lazer é necessário ir ao encontro de cada um com o que mais lhe faz sentido. O produto tem de ser personalizado e adaptado ao gosto pessoal de cada um, motivando-o e fazendo-o sentir especial e acolhido. O hóspede espera viver experiências que vão ao encontro das suas preferências pessoais e não receber um serviço estandardizado que não considera os seus gostos pessoais. A pandemia está a ser muito dura para cada um de nós a nível pessoal e a necessidade de encontrar algum bem-estar está na linha da frente. Os profissionais do sector concentram-se agora em ir ao encontro de famílias, amigos e pequenos grupos. Analisar as suas necessidades, ouvi-los ativamente enquanto estão no nosso espaço, estudar a concorrência e tirar alguma inspiração de ações que estejam a levar a cabo com bons resultados são pontos aos quais nos devemos dedicar. Quanto mais nos aproximarmos e superarmos as expectativas mais provável é que o hóspede nos volte a visitar e recomende à sua rede de contatos.

Novos usos para diferentes espaços

Com a mudança no consumo muito espaços que tinham procura elevada deixaram de ser utilizados. Percebendo isto, são vários os hotéis que se estão a adaptar indo ao encontro do que o consumidor pretende. Quartos são reservados para utilização enquanto home office (a saturação do espaço de habitação fez com que esta seja uma nova necessidade), espaços de fitness ou espaço privado para consumo de refeições, restaurantes de hotéis que oferecem serviço de take away para não hóspedes, conversão de espaços de hotéis para disponibilizar maior oferta de mesas ao ar livre para consumo de refeições, …

Mudança do internacional para o local

As restrições nas deslocações e o receio de viajar para fora fizeram com que a indústria se focasse necessariamente no cliente interno em detrimento do externo. A estratégia de comunicação tem necessariamente de acompanhar esta alteração na procura. O fato de termos mais turistas internos também nos permite ter taxas de cancelamento mais reduzidas pois estes não estão dependentes de medidas que os impeçam de voar, por exemplo.

 

Viajar para destinos off-the-beaten-path

Motivados em parte por evitar os grandes aglomerados de turistas assim como por motivos orçamentais, tem vindo a delinear-se uma tendência por escolher destinos não tão massificados. Um dos objetivos poderá ser também ir ao encontro de uma vivência mais real da cultura local, que não esteja tão elaborada para ir ao encontro do turista. A escolha poderá recair por destinos semelhantes ou até por atrações menos populares dentro dos mesmos destinos.

Incremento das viagens individuais

A constante pressão das vidas profissionais e familiares fez com quem se verifique uma necessidade cada vez maior de tempo individual para dedicação a si próprio. Com vários objetivos como redução de stress e ansiedade, procura de foco e estabilidade, reconexão consigo mesmo, melhoria do sono, controlo de vícios e impulsos dos quais não há consciência. Basicamente é uma procura de bem-estar consigo próprio. Viajar sozinho permite a cada um dedicar-se exatamente ao que mais sentido faz para si, sem cedências nem necessidade de compatibilizar a agenda com o outro. Ou seja, exatamente o que não temos no nosso dia a dia.  A mudança no relacionamento entre hóspedes e colaboradores dos empreendimentos permite que o formalismo dê lugar a uma interação mais pessoal e mais enriquecedora. A nível do design os espaços também têm ido ao encontro desta tendência disponibilizando atmosferas mais descontraídas.

Foco na segurança e higiene

Nunca como agora foram tão importantes conceitos como segurança e higiene. Estão são questões que sempre estiveram no cerne da atividade hoteleira, mas uma das questões que mudaram bastante no caso da higienização é que a mesma passou a ser uma tarefa à qual passou a ser vital dar visualização constante ao hóspede. No período anterior à pandemia a limpeza e higiene deviam ser cumpridas tentando o mais possível que fossem discretas e se possível até impercetíveis. Era uma operação que se queria cumprida, mas preferencialmente da forma menos visível possível. Agora o que se pretende é exatamente o oposto. Tudo para passar uma perceção de segurança, forte e constante.

Os caminhos são muitos, há apenas que escolher o que mais sentido nos faz considerando o nosso produto, segmento alvo e a direção que mais sentido nos faz. Dar o nosso melhor e investir num produto de qualidade mantendo o foco no que é o nosso objetivo.

Susana Querido de Figueiredo

Melhor Diretor de Alojamento 2020 (prémio atribuído pela ADHP)