Não vamos ficar todos bem

Não vamos ficar todos bem.
Aos leitores mais sensíveis e com tendência a depressões não se recomenda a leitura deste artigo.

Henrique Henriques

Não vamos ficar todos bem.

Aos leitores mais sensíveis e com tendência a depressões não se recomenda a leitura deste artigo. Se é um optimista, torço para que tenha razão e tudo o que aqui escreverei ficará como um ensaio. Se é um pessimista pense que depois de bater no fundo só podemos subir. Se é realista então pode continuar a leitura.

No momento em que escrevo esta reflexão, o Primeiro Ministro António Costa anuncia o encerramento das escolas sem a vertente de ensino à distância. Mais uma medida que reforça a ideia que não vamos ficar bem. Se esta decisão implicar a alteração das férias da Páscoa e as aulas tiverem de ser compensadas nesse período, também reforça a ideia que não vamos ficar bem.

Mas o objectivo desta reflexão não é esgrimir as medidas que têm sido tomadas nos últimos 10 meses. Também não é fazer futurologia. O objectivo é refletir sobre o impacto no turismo, nas empresas e nas pessoas que dele dependem tendo por base uma simples comparação.

Estamos perante a maior crise global do mundo contemporâneo. Uma crise sanitária que se estende à economia e ao quotidiano de milhões de pessoas por esse mundo fora.

E porque não vamos ficar todos bem?

Faço deste artigo um exercício de comparação com a crise do sub-prime, no âmbito da actividade hoteleira/turística, e que nos transportou para a crise mais recente de 2008. Esta foi uma crise do sistema bancário que tendo início na queda do Banco Lehman Brothers, nos USA, teve um efeito dominó e arrastou-se por quase todas as economias do mundo com Portugal a sofrer o impacto que todos ainda estamos recordados e de que alguns ainda estariam a recuperar.

Nessa “pequena” crise de 2008, o turismo em Portugal sofreu durante 5 anos (2008-2013) o impacto.

Para compreender, façamos um exercício. Se compararmos as dormidas em estabelecimentos hoteleiros no período de 2008 a 2013 em milhões de dormidas temos: 39,2; 36,5; 37,4; 39,4; 39,7; 41,5 respectivamente. As variações relativas a período homólogo são: -1,3%; -7,1%; 2,6%; 5,5%; 0,6%; 5,8% respectivamente. Se analisarmos a variação nas dormidas dos residentes e dos não residentes teremos, residentes: 0,4%; 1,7%; 4,1%; -2,5%; -7,5%; -0,5%; 14,1% e não residentes: -2,1%; -11,4%; 1,7%; 10,1%; 4,8%; 8,5% respectivamente (Fonte: INE).

Assim, vemos que o ano 2009 apresentou o maior impacto no global com uma quebra de 7,1% nas dormidas, tendo recuado os não residentes em 11,4%. No mercado nacional regista-se uma quebra mais tarde no triénio 2011-13, período de intervenção da Troika em consequência do subprime..

Para melhor compreender os dados devemos considerar que:

1) o impacto nos mercados externos é imediato à crise (2009);

2) a Troika entra em Portugal em 2011 e inicia-se um período de austeridade com as consequências que todos conhecemos;

3) A primavera árabe, entre 2010 e 2012, evento ocorrido em alguns países árabes do norte de África promove a deslocação, por  questões de segurança, de muitos turistas do centro e norte para o sul da Europa, nomeadamente Portugal e tem um efeito que se prolonga no tempo consolidando o sul da Europa (Portugal e Espanha) como destino de férias e escapadas para muitos europeus (neste período outros mercados transatlânticos também registam crescimentos) tendo ajudado à recuperação sentida a partir de 2014 até 2019.

Olhemos agora para os números das dormidas em milhões em 2019 e 2020: 69,8 e 25 respectivamente. Não vamos ficar todos bem.

Façamos agora um exercício de comparação dos resultados das empresas tendo como fonte os Quadros do Sector - Banco de Portugal, para o período de 2009 a 2013, utilizando o CAE 55 - Alojamento. Olhemos para duas dimensões financeiras importantes, o resultado de exploração (RE) e os resultados líquidos (RL). Assim temos de 2009 a 2013, em milhares de euros, resultados de exploração: 402; 278; 175; 184; 354 respectivamente e resultados líquidos: -139; -228; -469; -598; -399 respectivamente. Vemos uma quebra acentuada nos RE nos anos de 2010 a 2012 sendo o 2012 já de recuperação. No entanto em 2013, quatro anos depois, ainda não se tinha conseguido igualar os números de 2009. Os RL, pelos valores apresentados, deixo ao leitor a interpretação. Por comparação nos anos mais recentes 2018 e 2019 os RE são de: 1118 e 1194 respectivamente e os RL: 451 e 406.

Só considerando a excelente recuperação nos anos de 2014 a 2019 se consegue explicar a resistência, até ao momento, que as unidades de alojamento têm demonstrado apesar do impacto sofrido. No entanto, não vamos todos ficar bem.

A análise à crise de 2008 serve-nos para fazer uma analogia com a pandemia actual e tentar ensaiar os impactos. Aquela crise foi apenas uma crise financeira. Incidiu mais fortemente em economias mais fracas. Não atingiu a economia no global nem as empresas de transporte aéreo, vitais no movimento turístico. Não fechou fronteiras nem era invisível. Não retirou poder de compra nem empobreceu os países. Não confinou ninguém. Não buliu com a existência do ser humano.

Pense nisto, seja realista e tire as suas conclusões.

Infelizmente, não vamos ficar todos bem.

Henrique Henriques

Empresário/Consultor/Professor/Formador