Capital Humano em Hospitalidade – Desafios Antigos, Novas Perspetivas

Se é por um lado inegável a gravidade dos efeitos desta pandemia a vários níveis, os desafios de Capital Humano em hospitalidade já há muito que denunciam um profundo desajustamento com o mercado de trabalho.

João Silva Santos

Se é por um lado inegável a gravidade dos efeitos desta pandemia a vários níveis, os desafios de Capital Humano em hospitalidade já há muito que denunciam um profundo desajustamento com o mercado de trabalho. Contexto oportuno para reflexão sobre o tema? Churchill consideraria provavelmente que sim, ou não fosse sua a velha máxima: “Nunca desperdice uma boa crise!”  
 
Um Contexto Desafiante  
 
Entre 2004 e 2016 o ritmo de aberturas de unidades hoteleiras elevou o número de 563 estabelecimentos para 1.238 (120%), enquanto que a quantidade de profissionais do sector se cingiu a um modesto crescimento de 34%, passando de 27.000 para cerca de 35.000 (Turismo de Portugal, 2018). Em conjunto com outras variáveis, esse facto provocou um acentuado decréscimo no volume total de candidaturas qualificadas recebidas pelas empresas. Se o recrutamento se tornou cada vez mais difícil, reter os profissionais selecionados também não ficou mais fácil. Baum (2019), define este fenómeno como uma “cultura vigente de elevada rotatividade”. Só em 2018, o sector norte-americano de turismo viu a sua mão de obra transitar voluntariamente à taxa de 52% (Bureau of Labor Statistics, 2018). Por outro lado, sabe-se que 29% dos profissionais licenciados em hospitalidade abandonam o sector nos primeiros dez anos de carreira (Brown, Arendt, & Bosselman, 2014).  Como se tais variáveis já não fossem suficientes, assistiu-se à entrada no ativo da designada “Geração Z”. Geração esta com características profundamente distintas das anteriores, ao priorizarem, por exemplo, valores como a mobilidade geográfica e organizacional, a integração da vida profissional na dimensão pessoal e a ambição de um ritmo de carreira superior ao dos restantes segmentos geracionais. É neste contexto de enorme desafio, que se assiste inesperadamente ao eclodir de uma Pandemia, que no âmbito do sector levou ao encerramento abrupto de mais de 75% do dos estabelecimentos existentes (AHRESP, 2020), afetando desde logo os profissionais  em vias de contratação sazonal, os que se 
encontravam em período experimental, vinculados a termo certo e até os efetivos, na sua maioria alvo do regime de layoff simplificado.  
 
Olhar o Futuro 
 
Na era do real-time, a interação com os profissionais tem inevitavelmente de ser realizada de forma proativa e atempada, através de Employer Branding (Gehrels, 2019), onde a presença do empregador em comunidades de nativos digitais cative o seu target, muito antes da necessidade de contratação efetiva. Urge reinventar a perceção da indústria perante uma geração cujo compromisso se gera através da identificação com causas, mobilidade, experiência de empregador, etc. Ajustar paradigmas de contratação, priorizando a flexibilidade e agilidade que os novos profissionais pretendem assumir na interação com as empresas, na era da Gig Economy. Recorrer a soluções tecnológicas que permitam processos de verdadeira flexibilidade, controlo e transparência no acesso a profissionais validados quanto a experiência e performance, nos períodos temporais estritamente necessários, sem os habituais constrangimentos de admissão, ou de adjudicação através de parceiros externos no âmbito de outsourcing.  
Quanto à retenção, num mundo de information first , há cada vez mais necessidade organizacional de posturas “méritocêntricas”. O profissional tem de perceber as consequências relativas aos níveis de performance que possa adotar. Ter consciência da evolução profissional que poderá realizar na empresa  e período expectável para que aconteça. Em que estratégias como a Gamification auxiliam os colaboradores a perceber o que é esperado, compreendendo o valor que acrescentam ao todo (Narayanan, 2014). Onde o sistema remuneratório seja um reflexo direto do nível de contributo individual, destrinçando inequivocamente high performers de performers, pelo mérito dos seus resultados. Sistemas que abranjam elementos não pecuniários relevantes para o estilo de vida de cada um  (e.g subscrição de serviços, seguros, contratos de ginásio, avenças de mobilidade, streaming, etc.), de valor  frequentemente superior ao custo efetivo suportado pela empresa, e com grandes mais valias ao nível do Engagement dos colaboradores. 
Em suma, apenas com elevada prioridade na agenda do sector, a  implementação consistente de abordagens inovadoras poderá reverter as referidas tendências, cujo impacto estrutural condiciona efetivamente os destinos da hospitalidade.  É por isso imperativo olhar em frente, com resiliência e pragmatismo, tal como Abraham Lincoln ao assumir que “a melhor forma de prever o futuro é criá-lo”.

João Silva Santos

Líder da BlueShift Talent