Postado em quinta-feira, 29 de maio de 2025 08:02

A Nova School of Business and Economics (Nova SBE), em Carcavelos, foi palco do primeiro Think Tank sobre Liderança Feminina no Turismo e Hospitalidade — uma iniciativa do Westmont Institute of Tourism and Hospitality, realizada em parceria com vários agentes do setor e com o apoio do TNews. O encontro, que aconteceu esta segunda-feira, dia 19, reuniu 23 participantes, entre investigadoras, líderes do setor, empreendedoras e especialistas em sustentabilidade, com o objetivo de lançar as bases para uma comunidade ativa, focada em compreender e transformar os obstáculos que continuam a impedir a ascensão de mulheres a posições de topo no setor turístico.

A abrir os trabalhos esteve Pedro Oliveira, Dean da Nova SBE, que começou por reconhecer os progressos que a escola tem feito em matéria de igualdade de género, destacando que o curso de Gestão, ao nível da licenciatura, é “provavelmente o melhor em termos de igualdade de género dentro de toda a universidade”. Ainda assim, alertou para áreas onde há mais trabalho a fazer, como Finanças, razão pela qual a escola está a criar bolsas específicas para atrair mais alunas para essa área.

“É um tema importante em todos os setores, e é um que nos importa, porque claro que já vimos mulheres a liderar todo o tipo de organizações, desde famílias a comunidades. Mas quando olhamos para as administrações de empresas em diferentes setores, incluindo na hospitalidade, não encontramos muitas mulheres em posições de topo. É claramente algo que precisamos de discutir”, afirmou.

Pedro Oliveira destacou também a importância do Westmont Institute para a Nova SBE e para a economia portuguesa. “Este instituto foi e é muito importante para nós. É uma área crítica para a economia nacional. Foi, de certa forma, uma inspiração para estarmos agora a criar novos institutos em áreas como o envelhecimento, o futuro da Europa, ou as políticas públicas, sempre com o objetivo de responder a desafios relevantes para a sociedade”, explicou, sublinhando que espera que esta seja apenas a primeira de muitas conversas sobre liderança feminina na escola. “Precisamos da vossa inspiração. Ter exemplos inspiradores é fundamental para sabermos como atrair mais alunas para todos os nossos programas.”

Seguiu-se a intervenção de Alyshia Mangalji, vice-presidente para a Europa e África do Westmont Hospitality Group, que fez questão de contextualizar o porquê deste encontro. Reconhecendo o talento e a ambição que existem entre as mulheres no setor, sublinhou que algo se perde no caminho até à liderança.

“Sabemos que o talento está lá, sabemos que a ambição está lá, mas algo se perde ao longo do caminho. É por isso que é tão importante juntar mulheres, especialmente líderes como vocês, porque as barreiras que enfrentamos nem sempre são óbvias. São muitas vezes estruturais, culturais e profundamente enraizadas, e manifestam-se de formas diferentes ao longo das nossas carreiras.”

Alyshia Mangalji apelou a uma mudança de mentalidade que reconheça a vida das mulheres na sua totalidade. “Temos também de reconhecer que as necessidades das mulheres evoluem ao longo das várias fases da vida — do início da carreira, à maternidade, à menopausa e mais além. Estas não são notas de rodapé. São partes centrais do percurso de liderança. E, no entanto, são muitas vezes deixadas fora da conversa ou tratadas como obstáculos, em vez de simplesmente fases da vida que requerem diferentes tipos de apoio.”

A concluir, deixou um apelo ao pragmatismo. “Estou mesmo entusiasmada com o dia de hoje. Este é um espaço para pensamentos ousados e ideias práticas, por isso, vamos falar com franqueza, ouvir com atenção e olhar par ao futuro. Não estamos aqui para admirar o problema, estamos aqui para o definir e avançar para soluções que possam realmente mudar o panorama — não só para nós, mas para gerações futuras de líderes.”

O momento seguinte ficou a cargo de Daniela Afonso, diretora executiva do Westmont Institute for Tourism and Hospitality, que fez uma intervenção sobre o tema “Evidence-Based Knowledge: What is holding women back?”. Partindo da sua própria experiência pessoal, partilhou um episódio em que teve de decidir se se calava ou se tomava a palavra, quando um colega desvalorizou a discussão sobre quotas de género. “Não hesitei. Levantei a voz e comecei a apresentar algumas das barreiras que íamos abordar hoje. E esse momento foi uma vitória, porque de repente aqueles colegas estavam comigo, a reconhecer que há coisas que nós, mulheres, temos de enfrentar e ultrapassar, e que nunca lhes tinham ocorrido.”

A responsável apresentou quatro barreiras principais: o modelo da trabalhadora 24/7, a síndrome de impostor, o ideal de líder e a falta de gestão da energia.

Sobre o primeiro ponto, explicou que este conceito foi inspirado nos estudos de Claudia Goldin, Prémio Nobel da Economia em 2023. “Ela estudou o papel das mulheres no mercado de trabalho. E, mesmo quando já investimos em educação, temos planeamento familiar, estamos no topo da força de trabalho feminina, continuamos com diferenças salariais e de liderança. Porquê? Porque, quando o casal tem o primeiro filho, as mulheres ficam para trás.” Daniela Afonso referiu que em Portugal as mulheres continuam a fazer 74% das tarefas domésticas e 70% dos cuidados com os filhos. “Há um estudo de 2019 que mostra que as mulheres dedicam 13,5 horas por dia ao trabalho profissional e às tarefas de casa. Sobra-lhes menos de duas horas por dia para si. E eu até questiono se essas duas horas incluem uma boa noite de sono.”

A segunda barreira, a síndrome de impostor, é uma realidade com que Daniela Afonso se identifica pessoalmente. “Estou aqui, a tentar combatê-la. Mas é real. Vemos isto na negociação de salários, na forma como recusamos novos cargos, mesmo quando estamos preparadas. E também na forma como percebemos as quotas.” Explicou que as quotas podem ter um efeito psicológico complexo. “São um meio para um fim. Porque a sociedade não resolveu ainda o problema sozinha, entra a política. Mas muitas mulheres, quando chegam a cargos por via de quotas, questionam se estão ali por mérito ou apenas por causa da quota. Isso alimenta a síndrome da impostora. E esse sentimento está também nos colegas e nas equipas, criando um efeito acumulativo.”

A terceira barreira abordada foi a forma como a sociedade define liderança. Daniela citou estudos conduzidos por uma professora da Nova SBE, que analisaram as diferenças entre os comportamentos esperados de líderes homens e mulheres. “As mulheres são vistas como eficazes se combinarem competência, inteligência, diligência com empatia, ligação, cuidado. Já os homens podem ser apenas dominantes — e isso já é suficiente para serem vistos como bons líderes. As mulheres têm de fazer muito mais para serem reconhecidas como eficazes.”

Por fim, apresentou o conceito de “gestão de energia”, tema que foi depois aprofundado pela especialista Arin N. Reeves. “Este conceito inspirou até um novo episódio do nosso podcast. E quem melhor do que a Arin para nos explicar o que é.”

“Estamos a pedir às mulheres que vivam como se tivessem energia infinita”

Depois de Daniela Afonso ter apresentado as quatro grandes barreiras que dificultam a ascensão feminina à liderança no setor do turismo e da hospitalidade, foi a vez de Arin N. Reeves — autora e consultora especializada em liderança, equidade, inovação e bem-estar organizacional — subir ao palco e aprofundar um dos conceitos mais inovadores e menos falados nas discussões sobre igualdade no trabalho: a gestão de energia.

“Fico mesmo contente que a Daniela Afonso tenha começado por falar da representação. Porque a representação determina tudo o resto. Quando vemos quem está na liderança, percebemos como é que devemos agir. Essas pessoas tornam-se modelos de comportamento. E, quando não há representação, as mulheres acabam por ser muitas vezes obrigadas a trabalhar, pensar e comportar-se como homens para serem bem-sucedidas”, começou por afirmar.

Segundo Arin, esta dualidade é injusta e esgotante: “Esperam que sejamos mulheres, mães, cuidadoras e membros da comunidade nas nossas vidas privadas, mas também que sejamos confiantes, determinadas e imperturbáveis como os homens no trabalho.”

Para desmontar a ideia de que as mulheres não têm confiança ou ambição suficientes, foi clara: “Não há nada na minha investigação que sugira que as mulheres não têm confiança. Aliás, eu acho que as mulheres são mais confiantes. Não acho que falte assertividade. O problema é que, se procurarmos ver essa confiança e assertividade com os mesmos olhos que usamos para os homens, nunca vamos encontrá-la igual. Porque ela manifesta-se de forma diferente.”

Há cerca de 20 anos, esta constatação levou Arin a focar a sua investigação em duas frentes. Por um lado, perceber o que é necessário mudar nas organizações: “Como contratamos, como formamos, como promovemos, como compensamos, como gerimos. É aí que entra a gestão de energia.” Por outro, estudar porque é que tantas mulheres acabam por sair do mercado de trabalho ou abdicar de cargos de liderança, muitas vezes não por razões dramáticas, mas por simples exaustão. “Muitas não dizem que algo de mau aconteceu. Dizem apenas: ‘Estou cansada. Já não consigo mais’. E isso não quer dizer ‘Preciso de dormir’. Quer dizer ‘Acabei o que tinha para dar’.”

Foi este fenómeno que a levou a escrever o seu livro com o provocador título “Energy Management Guide for Badass Women Who Are Tired of Being Tired”. “O título foi um problema com a editora. Mas eu disse: este livro não vai ser publicado se ‘badass’ não estiver no título. Porque o que descobri é que as mulheres não estão a ser ensinadas a gerir a sua energia. Somos ensinadas a gerir o nosso tempo, as nossas finanças, mas não a nossa energia.”

Para ilustrar, Arin recorreu a uma metáfora financeira. “Se eu vos pedisse 20 euros, alguns de vocês talvez me emprestassem. Se vos pedisse 200 euros, iriam perguntar para quê. Se fossem 2.000 euros, já ninguém me emprestava. Porque temos um quadro mental: sabemos quanto temos, quanto podemos dar, quando estamos em dívida. Mas quando alguém nos pede mais um favor, mais uma tarefa no trabalho, nunca pensamos: ‘Tenho energia para isto?’ Simplesmente dizemos que sim. Somos ensinadas a funcionar como se tivéssemos um fluxo infinito de energia — e não temos.”

Arin explicou que a energia não é apenas física. “Temos energia cognitiva, física e ambiental. E quando a esgotamos, quando estamos exaustas mas fazemos ‘só mais uma coisa’, estamos a tirar energia do nosso futuro. Estamos a ir buscar combustível a dias da nossa vida.” Essa dívida energética, diz, traduz-se num aumento documentado de problemas de saúde entre as mulheres: “Doenças cardíacas, autoimunes, dores de cabeça, problemas gastrointestinais, hormonais, dificuldades de fertilidade. Estamos a ver cada vez mais mulheres doentes. E não é só stress. É falta de energia.”

A investigadora defende que a gestão de energia deve ser uma prática diária, não apenas um luxo ocasional. “Não estou a falar de ioga, banhos ou massagens — isso tudo é ótimo, mas não resolve o problema diário. Temos de saber identificar o que drena a nossa energia e o que a renova. E isso começa por uma pergunta simples: ‘Qual é o meu nível de energia agora?’”

Arin convidou a audiência a fazer um exercício: pensar no seu nível de energia naquele momento, numa escala de 0 a 10. “Se estão a um 8 de manhã e, depois de uma reunião, descem para um 4, e continuam a trabalhar nesse estado, tudo o resto do dia será menos produtivo. Mas se pararem cinco minutos para recuperar energia, o resto do dia corre melhor. Energia é produtividade. Mas também é felicidade, equilíbrio e saúde.”

A sua mensagem final foi de esperança — mas também de urgência. “Enquanto as organizações não mudam — e podem nem mudar no nosso tempo de vida — temos de dar às mulheres ferramentas para sobreviver. Temos de ensinar estas competências às nossas filhas e netas. Gestão de energia é resiliência. E resiliência é sabermos como subir novamente quando a energia desce.”

Ideias concretas para uma liderança mais equitativa

Depois das intervenções, reflexões e partilhas que marcaram o Think Tank, a audiência foi desafiada a pensar soluções reais para transformar o setor e promover uma liderança mais equitativa. Das discussões emergiram várias propostas, desde avançar conhecimento científico na problemática com uma lente de mudança sistémica, identificar metodologias que consigam suportar as mulheres nas suas diferentes facetas de mãe ou cuidadoras, ciclos de role modeling inspiracionais na indústria, ou programas de mentoria que impulsionem a consciência individual e a cultura organizacional para as barreiras discutidas.

Além de constituir uma voz crítica dentro da própria indústria, esta plataforma associou-se na Nova SBE, ao Centro de Conhecimento Liderança para o Impacto, ao Ecossistema de Inovação, às Conferências do Estoril e à área de Diversidade, Equidade e Inclusão, bem como a nível de parceiros institucionais: a Professional Women’s Network, Lisbon Chapter e o TNEWS, reforçando a complementariedade de pensamento e de inovação para o setor.

 

by TNEWS